Marilyn Manson se converteu ao cristianismo? Desde as polêmicas aparições do músico nos cultos promovidos por Kanye West, quando foi visto rezando ao lado do rapper e Justin Bieber, essa é uma incógnita para quem conhece a trajetória de provocação às instituições religiosas na carreira do vocalista.

Acusado por diversas mulheres de crimes hediondos, de violência doméstica a estupro e tráfico humano, Manson está isolado há pouco mais de um ano. O último álbum lançado, WE ARE CHAOS (2020), recebeu pouca divulgação antes do músico perder contrato com a gravadora e o empresário, dada a gravidade das acusações, e a residência do músico já foi revistada pela polícia como parte das investigações.

Dentro dessas circunstâncias, qualquer aparição pública de Manson chamaria atenção, mas a decisão de trabalhar ao lado de West e rezar no culto Sunday Service parece, ao mesmo tempo, um escárnio final aos religiosos e um ato desesperado de quem sempre precisou da igreja para se erguer – antes, pelo ódio, e agora, pela possibilidade de perdão que apenas uma instituição patriarcal poderia oferecer diante da sociedade. 

Brian Warner, nome de batismo de Manson, começou a ascender na música na metade dos anos 1990, quando a banda assinou contrato com a gravadora de Trent Reznor. Com o sucesso de “Sweet Dreams (Are Made of This)”, versão macabra do hit do Eurythmics, na MTV e o lançamento do álbum Antichrist Superstar (1996), a figura de Manson se estabeleceu como um dos últimos rebeldes do rock, conquistando um culto mundial de fãs fiéis e perseguidores mais fervorosos ainda.

Marilyn Manson
Marilyn Manson. Crédito: Reprodução/Instagram

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Acontece que esse sucesso não foi resultado apenas das críticas ferrenhas – e, na maioria das vezes, certeiras – à hipocrisia dos ditos cristãos e um sonho norte-americano falido. Quando a banda ainda se apresentava em pequenos pubs, Manson descobriu o poder do absurdo e grotesco como ferramenta de marketing poderosa, tanto para encontrar o próprio público, quanto para ser encontrado pelo resto do mundo. 

O pânico moral estadunidense sobre satanismo ainda era forte e se tornou o tendão de Aquiles das potências conservadoras. Não demorou para Marilyn Manson aparecer, de maquiagem e botas de salto, nos principais programas de auditório da época, opinando sobre todos os temas, desde mosh-pits até religião, enquanto queimava Bíblias nos palcos.

Pintado como uma ameaça iminente aos bons costumes e predador do futuro dos jovens, Manson se beneficiou enormemente da cruzada cristã contra si: a aversão dos pais causava ainda mais curiosidade nos filhos, os comentários pertinentes e sem filtro sobre a sociedade garantiam admiração dos colegas e a publicidade alcançava esferas impossíveis sem ajuda de quem pretendia destruí-lo. Ao longo de 11 álbuns de estúdio, Marilyn Manson nunca abandonou a iconografia cristã, nem as provocações, partes integrais e indissociáveis da composição do músico. 

Marilyn Manson e Evan Rachel Wood
Marilyn Manson e Evan Rachel Wood. Crédito: Reprodução/Facebook

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Mas tudo mudou desde que Evan Rachel Wood citou o nome de Brian Warner como o responsável pelos abusos psicológicos e sexuais sofridos em um antigo relacionamento. A misoginia confessa da discografia de Manson se tornaram potenciais provas de um comportamento agressivo e, em um mundo pós-movimento Me Too e da cultura do cancelamento, com tantas vozes ecoando as acusações, como a atriz Esmé Bianco, de Game of Thrones, e a ex-assistente Ashley Walters, a reação foi imediata e preocupante para Manson.

Os representantes do músico foram procurados pela People para questionar se as convicções religiosas de Brian Warner tinham mudado. “Não é da conta de ninguém”, responderam, mas reiteraram a participação dele como “parte integral” do culto. 

Não é possível perscrutar o íntimo de Marilyn Manson para descobrir sobre uma possível conversão ao cristianismo. Porém, do ponto de vista estratégico, frequentar os cultos de Kanye West, uma figura polêmica e ególatra por si só, é uma jogada coerente e irônica, uma provocação às supostas vítimas e aos cristãos por se colocar vestido de branco, orando de olhos fechados enquanto canta que “Vou ser preso esta noite” no álbum de West. 

As instituições cristãs são patriarcais e protetoras dos pactos masculinistas de perdão aos homens e caça às mulheres, sempre colocadas como diabólicas, desde o mito de Adão e Eva aos arquétipos das bruxas.

Rockstars excêntricos, crentes e conservadores encontram o ponto de intersecção perfeito quando se trata de desacreditar e humilhar mulheres, afinal, essa é a ordem das coisas: A misoginia inegável da carreira de Manson, independentemente do resultado das investigações, não parece ser um problema para os religiosos, desde que possam levantar o trunfo de ter extirpado o demônio do corpo de quem se proclamava o Anticristo. 

Para Manson, frequentar a intimidade dos círculos de quem professa uma fé arrebatadora é o escárnio final antes da queda: ele sempre dependeu da igreja e agora não seria diferente. E se rasgar bíblias seria um reforço de má índole desnecessário no momento, a jogada de marketing mais potente é flertar com o arrependimento, deixando um lembrete do acolhimento garantido caso tudo dê errado. Quanto a Deus, é difícil dizer, mas você sempre pode contar com o perdão dos homens – desde que seja um. 

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