Vinnie Colla já tinha pensado em desistir da música quando soube da audição para o Inglorious, revelação do hard rock britânico, por um amigo. Descrita por Brian May como “um novo e potente Deep Purple” e como a melhor da Inglaterra “desde Led Zeppelin” pelo produtor Kevin Shirley, a banda perdeu três integrantes de uma vez às vésperas de iniciar uma turnê.

Sem tempo para gravar os três vídeos solicitados para a vaga de baixista por causa do trabalho puxado em uma empresa de transportes, Colla mandou apenas dois – e foi aprovado por Nathan James, vocalista e líder do Inglorious, em menos de 10 minutos, antes mesmo de conhecer os futuros colegas pessoalmente. Era novembro de 2018 e a turnê aconteceria em janeiro do ano seguinte, pouco tempo após o lançamento de Ride To Nowhere, último álbum com a formação anterior.

O encontro com os demais integrantes, entre eles os também recém-chegados Danny Dela Cruz e Dan Stevens, só aconteceu no dia do anúncio oficial da nova formação, como Colla contou em entrevista à Wikimetal. “Eu conheci os caras ali, tipo ‘Oi, tudo bem? Prazer, sou o baixista novo’”, brincou. “Dali para frente, a gente se encontrou algumas vezes para tirar fotos e depois fomos direto ensaiar. A gente estava há uma semana da turnê e ninguém nunca tinha tocado junto”.

Inglorious em call para gravação do álbum 'We Will Ride'
Inglorious em call para gravação do álbum ‘We Will Ride’. Crédito: Reprodução/Facebook

As escolhas de Nathan e Phil Beaver, baterista, se mostraram certeiras no primeiro acorde daquele ensaio mágico. Dali em diante, Inglorious passou quase um ano na estrada com shows pela Europa, Estados Unidos e festivais como Rock the Castle (Itália) e Tons of Rock (Noruega). Em uma dessas oportunidades, Vinnie cruzou com Paul Stanley, do Kiss, nos bastidores do Graspop (Bélgica). “Estou realmente vivendo um sonho na minha vida”, contou. “Olhei para cara dele… E sabe o Chaves quando trava? Eu travei. Ele deve ter pensado ‘Coitadinho, tem problema mental’. Não conseguia nem falar com o cara”.

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Se nos encontros com ídolos o desempenho de Vinnie não era sempre dos melhores – e quem pode julgar? -, o entrosamento da banda no palco provou aos fãs antigos o poder do novo line up. Apesar da má vontade velada de alguns jornalistas, que parecem ignorar a performance do único estrangeiro da banda de propósito, enquanto exaltam o orgulho de ver outros britânico no palco, o objetivo foi selado com We Will Ride (2021), quarto álbum de estúdio e primeiro com os novos integrantes. “Algumas pessoas falavam ‘Para cover do Inglorious funciona, agora quero ver o próximo disco”, lembrou o brasileiro. “Quando a gente lançou o disco, muita gente ficou quietinha”.

Gravado durante a primeira onda da pandemia, o processo criativo se deu por aplicativos de mensagem e chamadas no Zoom. Cada integrante mostrava suas ideias para Nathan e desenvolvia aquilo que o cantor aprovasse. No estúdio, ninguém se encontrava, apesar da rotina de exames de COVID-19. Com o produtor Romesh Gogandoda, que trabalhou com Bring Me The Horizon e Bullet For My Valentine, a banda lançou um álbum potente e que mostra um futuro sólido pela frente.

Se engana quem imagina que Vinicius, nome de batismo do baixista, iniciou agora sua trajetória rumo ao estrelato. Antes de entrar no palco mundial de forma repentina no Inglorious, Vinnie já tinha sido eleito pela Veja como um dos “rockstars da noite paulistana” com a banda Insônica, na qual ficou por 15 anos.

Interessado por música desde a infância, graças à influência de familiares, não demorou muito para Vinnie se apaixonar por rock e sonhar com a vida perigosa dos ídolos que decoravam as paredes de seu quarto na adolescência. Começou pelo violão, tentou teclado, mas terminaria com o baixo. “A história de todo baixista é igual, podem até dizer que não, mas todo mundo toca baixo porque não tinha baixista”, contou. “Sempre gostei de baixo, era fã de Cliff Burton, no Metallica, e Steve Harris, do Iron Maiden”.

Ele chegou a iniciar a faculdade de Direito, mas nem os conselhos dos pais foram suficientes para tirá-lo dos trilhos do rock. “Eu nunca vou ser profissional se encarar isso como um hobby”, explicava para a mãe. O êxito dos covers cheios de originalidade do Insônica nos bares mais frequentados do centro de São Paulo não dava margem para reclamações: o sucesso cresceu e logo eram 220 shows anuais no circuito noturno da capital do Estado. “Estava vivendo um sonho, vivendo de música, ganhando grana. Era solteiro, novo, pegando a mulherada ao redor, estava feliz”, lembrou. “A gente se desenvolveu para tocar em diferentes palcos, para diferentes plateias, [tinha] um repertório extenso e só de rock”.

Com o passar do tempo, a falta de engajamento do público após o lançamento do primeiro álbum autoral da banda começou a fazer Vinnie se questionar. “Brasil é bem complicado para esse tipo de coisa”, lamentou. “O sonho do músico, pelo menos para mim, sempre foi fazer minhas músicas e não fazer releitura dos outros o tempo inteiro. Tem uma parte sua como música que está sofrendo e morrendo. Eu estava completamente de saco cheio da noite de São Paulo”.

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Em 2010, o sonho de recomeçar a vida e carreira em outro país começou a ganhar forma. Após gravar algumas faixas para a artista Tsubasa como session musician remoto, Colla foi convidado para gravar um DVD no Japão. A “pulga atrás da orelha” se tornou mais inquieta após conhecer Londres, terra natal das principais influências do músico, como Whitesnake e Led Zeppelin. Quatro anos depois, curiosamente no ano de formação do Inglorious, o brasileiro se mudou de vez para a capital da Inglaterra, mas resolveu dar um tempo de música. “Precisava resetar e entender o que queria”.

Inglorious
Inglorious. Crédito: Divulgação

Quando resolveu começar a procurar novas oportunidades na música, Vinnie se deparou com anúncios “bizarros” em sites especializados. “Procuro um músico baixista, não precisa tocar muito bem, mas precisa ter visual e um bom cabelo”, dizia um chamado.

Em um cenário mais competitivo, com um índice muito maior de músicos per capita, o baixista confessou que o desânimo já havia o alcançado quando soube da audição para entrar no Inglorious. “Eu estava bem desanimado, na verdade. Tem um momento que você está morando fora por um bom tempo, está cansado, trabalhando com coisas pesadas, cheguei a pensar em desistir”, contou Colla. “Eu saí de um status bom em São Paulo, ganhando grana, vivendo bem para vir para Londres para carregar caixa e morar em um quarto de uma casa compartilhada”.

Mesmo assim, seria impossível para um artista talentoso e apaixonado por música deixar o sonho de lado, especialmente morando em um lugar onde a música está no ar. “Tem alguns lugares que o rock está morto, hoje em dia tudo é muito passageiro, principalmente no Brasil”, observou. “Na Inglaterra, o rock nunca morreu. Qual estilo de música daqui? É rock! Eles nunca ficaram longe do rock”.

Quando entrou para o Inglorious, Colla confirmou o que conseguia observar de fora: a preferência dos britânicos por som autoral e o valorização da cena local por parte do público, que compra pacotes VIP para turnês e esgota itens de merch em poucos minutos.

Atualmente, o brasileiro está completamente integrado ao grupo e já trabalhando em um novo projeto com a banda, o álbum de covers Heroine, apenas com versões de vocalistas femininas. O baixista encontrou um lugar de equilíbrio e terreno fértil para seu inegável talento após uma jornada peculiar desde a primeira banda de metal até os palcos ao lado do Inglorious, na qual a persistência, amor pela música e coragem serviram de bússola.

“As pessoas hoje em dia têm muito medo de tentar. Tenho milhões de amigos, todo mundo começou a tocar na época, na adolescência, e era o sonho de todo mundo ter uma banda, tocar e ser famoso. O que fez a diferença foi quem teve coragem de continuar tocando e quem não teve”, observou. “Se você tem realmente um sonho, tem que ir atrás, continuar seguindo. E não ter medo”.

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