Texto por Stephanie Souza
Na última sexta-feira do mês de outubro, o Terra SP foi tomado por um evento raro: Refused, uma das bandas mais influentes do hardcore e do punk dos anos 90, finalmente se apresentou em solo brasileiro. Em uma espera de quase 30 anos, fãs finalmente puderam dar um olá e um adeus agridoce à banda, que, infelizmente, se despede dos palcos para sempre nesse ano de 2025.
O evento, produzido pela Balaclava Records em parceria com a Powerline Music & Books, foi aberto pelo Eu Serei a Hiena, supergrupo experimental criado em 2005 por Fausto Oi, Nino Tenório, Wash de Souza e Paulo Sangiorgio, grandes nomes de bandas lendárias da cena hardcore punk brasileira, como o Dance of Days, Ratos de Porão e O Inimigo. A missão foi muito bem cumprida, já que nenhum integrante é exatamente estranho aos palcos, entregando um show intenso, cheio de dissonâncias e texturas sonoras que fogem do óbvio, preparando o terreno numa sensação de calma antes da tempestade. A banda, que já se definiu como “um escape completo do que todos tocavam em suas bandas principais”, montou uma setlist que passou por seus dois únicos álbuns de estúdio: Eu Serei a Hiena (2005) e Hominis Canidae (2009).
Sem introduções ou discursos, o Refused subiu ao palco exatamente às 21h30, e iniciou a noite com “Poetry Written in Gasoline”, recebendo um público pronto para gastar energia. A sinergia entre banda e fãs foi imediata, fruto de anos de espera e de incontáveis comentários de “come to Brazil” que, como o vocalista Dennis Lyxzén mencionou de forma humorada, finalmente se concretizaram. Aliás, Dennis é um frontman nato: além de pequenas acrobacias, chutes ao ar, arremessos de microfones e algumas dancinhas no palco, sua voz permanece intacta e incrivelmente potente.
Na dobradinha “The Shape of Punk to Come” + “The Refused Party Program” o público respondeu com moshpits, muito empurra empurra e crowd surfs, tornando a experiência um verdadeiro rito coletivo de celebração e catarse. A setlist percorreu oito EPs e álbuns com tanto conforto e confiança que sobrou espaço para um snippet de “Raining Blood” do Slayer, incorporado de forma cômica entre os riffs de “The Deadly Rhythm”, arrancando algumas risadas dos presentes, que se divertiam com a surpresa.
Mais ao meio do show, voltando às raízes hardcore do Refused, o destaque fica para “Burn It”, do EP Everlasting (1994), cuja guitarra beira a microfonia em sua sonoridade caótica. Durante a noite toda, a bateria de David Sandström soou como um motor desgovernado: rápido, preciso e furioso, enquanto a guitarra de Mattias Bärjed e o baixo de Magnus Flagge cortavam o ar em distorções e peso que misturavam fúria e controle, um (des)equilíbrio que define o som inconfundível do Refused.
Entre uma faixa e outra, Dennis trouxe à tona discursos inflamados e necessários, reafirmando o caráter político que sempre esteve no DNA da banda. Falou sobre a classe trabalhadora, a ascensão do fascismo ao redor do mundo, a comunidade LGBTQIA+, a Palestina e sobre a importância de se posicionar e se organizar:
“Acredito que se ficarmos em silêncio e não falarmos sobre, seremos cúmplices. Precisamos falar sobre essas coisas se quisermos um mundo melhor para se viver. Precisamos construir esse mundo. Conversem com seus amigos, com sua família, com seus colegas de trabalho. Se eduquem e se organizem.”
O ápice veio em “New Noise”, hino absoluto do álbum The Shape of Punk to Come (1998). Os primeiros acordes da longa intro bastaram para transformar o Terra SP em um só coração, e a maior roda da noite se formou instantaneamente: todos sabiam o que fazer. O público vibrou em alta tensão até o grito histórico “Can I scream?”, que ecoou como um expurgo coletivo regado à muita energia, suor e emoção. O tempo parecia ter sido suspenso naquele momento, que poderia muito bem durar para sempre. A noite se encerrou com o encore de “Pump the Brakes” e “REV001”.
A banda foi ovacionada, retribuindo o carinho com autógrafos, fotos, sorrisos genuínos e olhos marejados. A noite foi um epílogo perfeito e digno para uma banda como o Refused, carregado de sentimento e, acima de tudo, de sentido. O fim, ali, não soou como encerramento, mas como permanência e também a constatação de que alguns ciclos só se completam quando o grito é finalmente ouvido.
















