Após seis anos, o Ghost finalmente está de volta ao Brasil. Depois de superar uma dose de imprevistos e atrasos, a banda liderada por Tobias Forge realizou o primeiro de dois shows em São Paulo nesta quarta-feira, 20, para uma plateia fiel e apaixonada.

Vindos do México, onde se apresentaram com a Re-Imperatour na última segunda-feira, 18, o Ghost teve problemas de logística que impediram a apresentação da banda Crypta como show de abertura. Os equipamentos da banda ficaram retidos, atrasaram e impediram a montagem do palco em tempo hábil, o que causou também o atraso na abertura das portas para o séquito de fãs ansiosos para entrar no Espaço Unimed. Por volta de 19h, os presentes na fila podiam ouvir a passagem de som da banda, programada para entrar no palco às 21h.

Uma vez chegada a hora, o atraso foi puro charme: às 20h57, ainda com as luzes acesas, um piano arrastado começou a ser tocado e iniciou os rugidos da plateia, que logo entoou o canto de “Ghost, Ghost, Ghost!” e “Papa, Papa Papa”, palavras curtas demais para resumir a expectativa dos presentes. Foram pouco mais de 15 minutos de espera ao som de canto gregoriano diante de um público inquieto, de celulares em punho, até o show começar verdadeiramente com a intro “Imperium”, executada ainda com as cortinas suspensas.

Mas logo toda a espera árdua dos fãs, que aguentaram uma onda de calor de temperaturas recorde na capital paulista e compraram cada ingresso disponível para os dois dias de show, foi recompensada com o palco finalmente revelado ao som de “Kaisaron”.

Com o primeiro de vários visuais que mostraria na noite, o despojado Papa Emeritus IV é uma figura cativante desde o primeiro momento em cena no templo montado para o show do Ghost. A quinta encarnação do personagem criado pelo frontman Tobias Forge sabe controlar a multidão sem palavras, mesmo diante da aparente inexpressão da máscara utilizada: entre beijos para a plateia e gestos exasperados para a banda de Nameless Ghouls, o cantor leva a teatralidade do rock a um lugar irresistível, com espaço para ironia e sedução. Os gestos pedindo aplausos para os músicos eram ainda mais efetivos que as tentativas de diálogo com o público, aparentemente incapaz de responder qualquer coisa que demandasse mais que um “yeah” em retorno, mesmo quando o líder do culto soltou um “tudo bem”.

Ghost se apresenta no Espaço Unimed, em Sâo Paulo, nesta quarta-feira, dia 20 de setembro de 2023 – Foto: Jéssica Marinho

Os críticos do som “pop” do Ghost se surpreenderiam com o peso da banda ao vivo, especialmente em faixas como “Rats” e “Faith”, que vieram na sequência. Se alguns discos possuem uma produção abafada, que esconde elementos preciosos ao ouvinte, o show é uma oportunidade de redescobrir as músicas no formato ideal de audição e reconhecer a qualidade do rock da banda em seu constante flerte com gêneros mais pesados e sombrios.

Não é preciso avançar muito no show para perceber como um dos maiores trunfos do Ghost foi incentivar um senso de comunidade forte entre banda e público, cujas faixas etárias eram variadas, mas com predominância dos jovens e toda a energia criativa de fãs dispostos a se maquiar e fantasiar para ir ao show da banda favorita, especialmente na concorrida grade. Com uma linha tênue muito bem vinda entre o respeito aos dogmas estabelecidos na carreira e o fan service, cada membro da banda demonstra entender o lugar que ocupam nessa via de mão dupla. Mesmo diante do anonimato inicial, hoje os Nameless Ghouls possuem apelidos carinhosos e são saudados com animação pela plateia em todo solo ou momento de destaque – e não são poucos.

Depois da música de abertura, o novo álbum da banda continuou se mostrando bem recebido pelo público ao longo da apresentação, com “Spillways”, “Watcher In The Sky” e “Call Me Little Sunshine”, espalhadas estrategicamente no setlist. Nesta última, tivemos a única aparição de Forge com o traje completo em uma bela e opulente batina preta, cravejada de pedras. Mas nada consegue se comparar ao fervor do público pelos hinos antigos dessa igreja: “Cirice”, “Ritual”, “He Is” e “Year Zero” foram alguns dos pontos mais intensos da noite antes do Encore.

Uma década depois da recepção desanimada e até vaias no palco do Rock In Rio, quando headbangers impacientes gritavam pelo Metallica no meio do show do Ghost, a banda agora está em outro patamar de popularidade, aceitação e robustez artística. Se as capas de discos e clipes super produzidos podem dar a impressão de um exagero quase entendiante na temática da banda, o palco se mostra o lugar mais fértil para uma banda de rock teatral (como os próprios se denominam) desse porte e mostra como Tobias soube aprender com os melhores do rock e heavy metal. 

Das catedrais do Iron Maiden, passando pelas maquiagens e jogo de luzes do KISS, às cenas bizarras de Alice Cooper, aqui representadas por uma aparição do já falecido Papa Nihil, diretamente de seu caixão de vidro para um solo de saxofone, o Ghost fez um show de comunhão entre o sagrado e profano da música, sendo um lugar de crítica tácita às instituições religiosas e de culto para os desajustados e pecadores.

E para quem afirma que o teatro sombrio e rock dançante do Ghost não passam de pura modinha, uma tendência passageira alimentada pelo recente sucesso viral no TikTok, a conexão do público com a banda certamente diz o contrário. O público das redes sociais realmente compareceu em peso ao show, que tinha rostos de adolescentes ávidos por ação na grade, e “Mary On a Cross” foi bem recebida, mas não ofuscou os clássicos da banda, que faz uma apresentação forte e emociona também o público mais velho e tradicional do rock n’ roll.

Depois de “Respire  The Spitalfields” e superando 1h30 de show, o Ghost retornou para um encore, mas não sem uma boa dose de atuação antes. “A banda já foi embora, vocês podem ir embora agora”, insistiu o Papa antes de iniciar uma negociação com os fãs sobre quantas músicas ainda cantariam naquela noite. “Duas? Três? Então mais três músicas e vocês se mandam? Não, quatro não. Três. Ok…”, disse antes de uma sequência final matadora com “Kiss The Go-Goat”, “Dance Macabre” e “Square Hammer”. Apesar da tentativa do público em pedir “Twenties”, faixa abertamente inspirada por um músico brasileiro, não houve negócio nessa parte

Depois de um show arrebatador, o Ghost demonstrou o motivo por trás de tantos convertidos e entregou uma noite inesquecível que faria qualquer detrator pensar muito bem sobre críticas infundadas e simplesmente infantis.

Nossa colaboradora Jéssica Marinho também foi ao show e registrou a noite. Confira a nossa galeria de fotos completa logo abaixo (se não conseguir acessar clique aqui):

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