Eu nunca me senti culpado por ser um astro de rock. Você se torna um astro pelo que você faz. No thrash metal, nós somos uma música do povo, pelo povo, para o povo.”

Wikimetal: Olá, Dave.

Dave Ellefson: Oi, tudo bem?

W: Oi, Dave, é uma verdadeira honra, um prazer estar falando com você, como você está?

DE: Obrigado, eu estou muito bem, obrigado.

W: Só para começarmos, antigamente, Dave, quais você consideraria serem as maiores influências que fizeram você escolher se um baixista? E quais são seus baixistas favoritos?

DE: Bem, eu cresci… Ou ouvia música praticamente só no rádio, porque que cresci em uma parte muito rural dos Estados Unidos, um estado do centro-oeste que se chama Minnesota, e só tem fazendas por lá, então o que eu ouvia no rádio era basicamente: Sweet, Kiss, Aerosmith, esse tipo de coisa, então muito hard rock americano e britânico. E então, é claro, o Kiss foi muito importante para me fazer querer tocar. E o baixo foi um instrumento muito intrigante, eu nunca tinha ouvido nada parecido com isso antes, e então quando eu o vi, ele era grande e longo e tinha cordas, e eu gostei das pessoas que tocavam, como o Gene Simmons e isso foi inspirador para mim. E depois quando eu comecei a tocar, eu obviamente comecei a ouvir bandas como Rush, e Iron Maiden, e depois foi a minha vez, quando nós começamos o Megadeth.

W: Dave, no livro do Dave Mustaine, “A life in metal”, ele conta uma história muito legal de quando vocês se conheceram. Você poderia, por favor, contar aos nossos ouvintes o que aconteceu, como você conheceu o Dave Mustaine?

DE: Bom, cinco dias depois de eu me formar no colegial, em 1983, eu tinha 18 anos, e eu e mais três amigos dirigimos do Minnesota até Hollywood, Califórnia. E o apartamento para o qual nos mudamos, o Dave estava morando logo em cima, e eu não conhecia o Dave, na verdade eu nunca tinha ouvido falar do Metallica antes,  porque, sendo do centro-oeste, as notícias da música e do entretenimento eram muito lentas. E as costas leste e oeste e parte da Europa estavam começando a conhecer essa nova onda do heavy metal que estava sendo chamada de thrash metal. Eu ainda não tinha ouvido falar disso. Então conhecer o Dave… Uma manhã eu acordei e estava praticando, acho que era “Running with the Devil”, ou alguma coisa assim, do Van Halen, e eu ouvi esse grito agudo me mandando calar a boca, e logo depois eu ouvi alguma coisa bater no meu ar condicionado, e o meu primeiro pensamento foi “Bem, as pessoas na Califórnia não são tão simpáticas quanto no Minnesota”. E o meu amigo tinha visto o Dave andando pelo condomínio, e ele disse “Nós devíamos conhecer esse cara, ele parece ser uma cara legal de rock N’ roll”, então nós fomos bater na sua porta. Primeiro nós queríamos comprar alguns cigarros e ele olhou para nós e bateu a porta na nossa cara, depois nós batemos de novo para comprar cerveja, e ele abriu a porta para nós. Então esse foi basicamente o nosso primeiro encontro com o Dave, tomando cerveja e contando histórias, nós o conhecemos e ouvimos a história com o Metallica e a sua saída da banda. E ele começou a tocar algumas das músicas que ele havia escrito pós-Metallica, que se tornariam “Set the World on Fire”, “Devil’s Island”, mais algumas. E nós todos amamos, achamos que eram músicas incríveis e também vimos algumas das letras do Dave, ele tinha um método muito simples, mas também muito engenhoso de contar histórias nas suas letras. Então isso me inspirou, e a outra coisa a respeito do Dave que você tem que perceber, é que ele estava fazendo algo completamente novo, sabe, você tem que entender que isso era em 1983, então tudo o que estava acontecendo em Los Angeles é o que seria considerado pop metal, hair metal, essas coisas… O Mötley Crëw já tinha começado a fazer sucesso, o Ratt estava se tornando famoso, o WASP, muitas dessas bandas, essas eram as bandas principais de Hollywood, e toda a música do Brooklyn estava começando a decolar naquela época.

W: Mudando de assunto agora, Dave, falando do seu novo álbum “Thirteen”, o que chamou a minha atenção foi a grande quantidade de músicas boas nesse álbum. Alguma razão em particular para isso, por exemplo, o fato de você ter voltado para a banda?

DE: Eu acho que… Eu não acho que os álbuns são uma coisa de uma pessoa só. Os álbuns são uma coleção de músicas e todo trabalho criativo é uma colaboração, em muitos níveis. Há uma colaboração dentro da banda, musicalmente. Eu acho que trazer o Johnny K. para ser o produtor no álbum trouxe uma nova dinâmica para a banda e um modo de produção muito produtivo também, sabe, nós não tivemos muito tempo para fazer o álbum, e muitas vezes no Megadeth, quando nós não temos muito tempo, às vezes é quando nós produzimos nosso melhora material, também.

W: É, eu ia perguntar do Johnny K., como vocês escolheram ele para ser o produtor do “Thirteen”, e como foi trabalhar com ele?

DE: Eu sou fã do trabalho do Johnny desde que eu ouvi os álbuns do Disturbed. Eu acho que, sabe, o trabalho que ele fez, ele fez muitas coisas em Chicago por muitos anos, ele já era amigo do Dan Donegan do Disturbed, e quando eles assinaram com a Warner Brothers, o Dan insistiu que o Johnny produzisse o álbum, e foi isso que colocou o Johnny no mapa, como um grande produtor musical. E eu acho que o trabalho que ele fez com essa banda foi fenomenal. Então, quando eu ouvi mais coisas deles, ou percebi que o Johnny não é um desses produtores que fazem com que a banda soe como ele, ele parece ser um produtor que entrou e realmente descobriu a essência da banda e fez com que ela melhorasse. E isso, para mim, é algo que eu achei que seria muito importante com o Megadeth, porque nós já havíamos tido experiências nos anos 90 com produtores que tentaram nos moldar em algo que não era o Megadeth, e não nunca mais queremos nada parecido com isso. Então o Johnny, eu e o Dave nós demos bem, e pareceu que as músicas fluíram, e quando nós percebemos havíamos feito um álbum.

W: Dave, nós temos uma pergunta clássica no nosso programa, uma que nós fazemos a todas as pessoas que nós entrevistamos: imagine que você está dirigindo seu carro ouvindo o seu ipod no shuffle, e então começa a tocar uma música que faz com que você perca totalmente o controle, você começa a head bangear onde quer que você esteja. Você pode escolher essa música para que nós possamos tocá-la no nosso programa agora?

DE: Claro, eu diria que existem duas. Provalmente a principal seria – eu ouvi ela ontem – que o “Neon Knights” do Black Sabbath.

W: Dave, eu acho que o “Thirteen” é um álbum muito bom, na minha opinão, o melhor álbum do Megadeth desde o “Countdown to Extinction”, talvez. Qual é o seu álbum preferido do Megadeth?

DE: Sabe, é engraçado você falar isso, porque eu acho que o meu álbum preferido de todos é o “Countdown to Extinction”, na verdade, eu estava escutando ele ontem com o meu filho. O meu filho tem 15 anos, e ele estava ouvindo alguns álbuns do Megadeth. E essa é meio que uma nova jornada para ele, descobrir esses álbuns, e a primeira coisa que chamou a atenção dele é como o álbum é atemporal, não se parece com um álbum datado que foi feito há 20 anos, ainda parece novo. E eu estava ouvindo… Para mim não é nenhuma outra banda que tem esse som. Então esses são componentes muito fundamentais para qualquer grande álbum, eles não podem soar datados e não podem soar como nada que já existe.

W: Você está certíssimo e eu concordo completamente com você. Por exemplo, no ano passado nos tivemos o lançamento da edição de 25 anos do “Peace Sells… But who’s buying?”. O que você se lembra da gravação desse álbum que fez com que ele fosse tão especial e relevante e único, como você disse, o Megadeth tem um som tão único, e especialmente o “Peace Sells…”  é tão relevante depois de todo esse tempo?

DE: É, eu diria que o “Peace Sells…” é mais um desses álbuns que é certamente único e definitivamente não se parecia com nossos contemporâneos, sabe, na época, obviamente o Big Four, como nós somos chamados agora, nós estávamos fazendo nossos álbuns mais pioneiros naquela época, e eu acho que o Megadeth, nós definitivamente tínhamos um som diferente de todos eles. E eu acho que isso de deu, em maior parte, porque eu e o Dave éramos os caras do metal, e o Gar e o Chris eram os caras do fusion jazz, e o híbrido desses dois gêneros realmente criou uma ferocidade musical nos álbuns que era incomparável com qualquer outra banda da época. E eu também acho que a afinação desse álbum, por mais estranho que isso possa parecer, sabe, nós afinamos esse álbum em Sol, mais isso adicionou um clima muito sombrio e místico para o álbum todo, e eu acho que isso é algo que… Eu sei porque eu sou músico e toco muito, mas as pessoas dizem “nossa, suas músicas são tão sombrias”. E eu acho que em relação às letras há uma intriga sombria, que eu acho que foi a afinação dos instrumentos que criou esse som único.

E foi a primeira vez em muitos anos que eu entrei em uma sala com uma banda e me senti genuinamente inspirado para escrever músicas, eu me senti como um adolescente novamente.”

W: Eu vi vocês tocando no Brasil muitas vezes, eu fui no Rock in Rio em 91, “Monsters of Rock” com o Ozzy e Alice Cooper e 95, e ano passado no SWU Festival com o Faith No More e o Alice in Chains. Você tem alguma lembrança particular do Brasil que você poderia compartilhar com os nossos ouvintes?

DE: Ah, nossa, sabe, ano passado o festival foi fantástico, quer dizer, o Brasil é conhecido pelos seus festivais monumentais, e eu acho que com certeza começar com o Rock in Rio foi uma ótima experiência, fazer parte do Rock in Rio em 1991, foi algo tão grande na época, e eu acho que toda vez que eu volto para aí, sabe, eu toquei no festival “Monsters of Rock” e no SWU é sempre, sabe… É a dimensão disso, mostra o tamanho do apoio que o povo brasileiro proporciona ao heavy metal.

W: Falando dos velhos tempos, Dave, como você compararia a cena musical nos anos 80 e agora? Quais são as coisas boas e ruins dos dois períodos?

DE: Eu acho que os anos 80 foram o grande momento do rock N’ roll, da glória dele. Era algo que unia as pessoas, unia tantas pessoas ao redor do mundo. Era algo que… Era uma contribuição, sabe, as garotas se arrumavam e ficavam bonitas, e os homens se arrumavam para conseguir as garotas… Era uma forma de entretenimento na época, e eu acho que assim que os anos 90 e o movimento Grunge de Seattle veio, e toda essa coisa anti astros de rock… Todo mundo se desculpando por ser um astro de rock, eu nunca entendi isso. Eu nunca me senti culpado por ser um astro de rock. Você se torna um astro pelo que você faz, sabe, se você só quer ter sucesso por narcisismo, você provavelmente deveria se sentir culpado por isso. Para nós, eu acho, no thrash metal, nós somos uma música do povo, pelo povo, para o povo.

W: Qual é a importância da reunião do Big Four? Quão importante você acha que essa reunião foi para o heavy metal em geral, e também para a criação de uma nova geração de fãs de metal?

DE: Eu acho, em primeiro lugar, que não chegou a ser verdadeiramente uma reunião, porque nós quatro nunca havíamos tocado juntos antes. Você tem razão no sentido de que foi uma reunião que todos nós já havíamos tocado juntos, só não no mesmo palco. E eu acho que essa unidade provavelmente gerou um novo interesse e  colocou o thrash metal para sempre na primeira página da história do heavy metal.

W: E, eu acho, na história do rock também.

DE: Sim, com certeza. Exatamente, eu acho que isso levou o thrash metal de meio que um filho bastardo no canto e o solidificou e validou na história do rock N’ roll.

W: Você se lembra da primeira vez que você ouviu falar desse projeto, ou de quando você foi convidado para participar desse projeto?

DE: Sim, eu fiquei sabendo… Na verdade, foi antes de eu voltar para o Megadeth. Eu estava em turnê com o Tim “Ripper” Owens na Europa, nós estávamos no Download Festival, na Inglaterra, e o agente veio até mim – que era meu amigo há bastante tempo – ele veio até mim e mencionou essa ideia, e eu pensei “Nossa, isso é fantástico!”. Então nós começamos a discutir o meu retorno ao Megadeth e me pareceu que estava dando tudo certo. Meu agente me disse “Vai fundo.” E eu fico muito feliz de ter feito isso, porque essa história realmente teve um final de Cinderela.

W: Você poderia escolher uma música do Megadeth, que você tem muito orgulho d ter participado, ou de ter escrito ou gravado, para que nós possamos ouvir no programa agora?

DE: Claro. Eu diria “Foreclosure of a Dream”, porque é a história do que aconteceu com o meu pai e muitos dos seus amigos, que sofreram com os problemas governamentais aqui nos Estados Unidos, ao final dos anos 80, durante as Reaganomics, e isso causou uma grande crise.

O Gene Simmons  foi inspirador para mim. E depois quando eu comecei a tocar, eu obviamente comecei a ouvir bandas como Rush, e Iron Maiden.”

W: Falando dos seus projetos e experiências fora do Megadeth, como o F5, Hail, Killing Machine, Temple of Brutality e você também tocou com o Soulfly. Você acha que é possível descrever o que todos esses projetos tinham em comum, musicalmente?

DE: Bom, eu acho que eles eram todos projetos de heavy rock. O que eu acho que eu mais gostava deles, é que eles eram todos muito diferentes uns dos outros. O Soulfly… O F5 foi provavelmente a primeira coisa na qual eu trabalhei pós Megadeth, porque naquela época o Megadeth estava me dispersando. E aquilo foi tão novo, e foi divertido tocar com caras mais novos, que tinham um certo apreço e até uma pequena influência do Megadeth e entendiam a música de uma forma completamente diferente, afinações diferentes, e também tinham influências diferentes, então foi muito libertador e revigorante para mim, e foi a primeira vez em muitos anos que eu entrei em uma sala com uma banda e me senti genuinamente inspirado para escrever músicas, eu me senti como um adolescente novamente. Depois, obviamente, quando eu recebi a ligação para tocar no álbum do Soulfly, foi algo parecido, porque o Max, claro, já havia definido o que era a música do Soulfly, mas quando eu vim tocar baixo, o Max… Foi uma reinvenção do Soulfly naquele momento, então eu tenho orgulho de ter participado desse processo. E também, sabe, o Max simplesmente olhou para mim e disse “Cara, vai lá e toca o que você quiser”, então foi muito libertador, toda essa parte da minha vida, e o Terms of Brutality foi a mesma coisa, me pegou no meio dos meus anos de experiência como baixista de heavy metal e me levou para um processo completamente novo, que estava começando, e a ser um dos elementos que juntou tudo aquilo e os transformou em uma banda de verdade.

 W: Bom, nós adoramos a sua participação naquele projeto, e nós adoramos o Max, como você pode imaginar, sendo brasileiros, nós entrevistamos ele há algumas semanas, ele é uma verdadeira lenda para nós. Mudando de assunto, Dave, como o cristianismo mudou a sua vida, e o que você diria para uma pessoa enfrentando os mesmos problemas com drogas e álcool que você enfrentou no passado? Voce acha que a religião pode ajudar as pessoas nesse tipo de situação?

DE: O que eu acho é o seguinte: eu acho que nós todos nascemos com um desejo inerente de conhecer o nosso criador. É como quando você nasce, que você quer conhecer seus pais – eu percebo isso com pessoas que são meus amigos agora, que foram adotados quando nós éramos pequenos, eles têm esse desejo de conhecer seu pai e mãe de verdade. E eu acho que isso é algo que é impresso em nós, querer conhecer – nós chamamos de Deus – mas é o nosso criador. E eu acho que durante nossa vida, o mal que existe no mundo pode ser muito ofuscante e a sua missão é nos desviar de conhecer Deus. E quando nós nos desviamos de conhecer Deus e de onde nós viemos, sabe, o nosso criados, é aí que os problemas aparecem em nossas vidas, sabe, e é fácil cair nessa, se você começa a usar drogas e a jogar, todas essa coisas que podem ser prejudiciais e podem acabar nos matando. Então eu acho que quando nós… Eu acho que a grande chave para superar essas coisas é admitir a derrota. E isso é bom, porque o que não é feito para nós, nos mata. Então admitir que essas coisas nos matam, há força nisso, eu ganhei essa força da minha fraqueza, e eu acho que nesse momento nós conseguimos regressar. Mas eu preciso me desligar e voltar a essa vida, eles chamam isso de nascer de novo. É como um renascimento, nós temos a chance de ter duas vidas dentro da nossa própria vida, e nós podemos recomeçar. E isso é uma coisa legal, e às vezes isso se dá através da própria religião, às vezes acontecer por meio de uma conexão mais pessoal com a busca por Deus. Eu acho que é uma coisa mais pessoal, e que às vezes a religião, por mais que já tenha ajudado muitas pessoas, eu acho que todo mundo tem que descobrir por si mesmo o que os liberta e o que os reprime.

W: Essas são sábias palavras, Dave. Estamos terminando a entrevista – em primeiro lugar eu gostaria de lhe agradecer imensamente, nós somos fãs da sua banda e do seu trabalho há, digamos, 27, 28 anos, desde o primeiro álbum do Megadeth. Então é uma grande honra poder falar com você. Só para concluir a entrevista, o que você diria para um garoto de 15 anos, 14 anos, que está pensando em aprender a tocar um instrumento e formar uma banda? E, por favor, deixe um recado final para todos os seus fãs brasileiros.

DE: Eu acho que todo mundo que começa a aprender um instrumento, logo descobre o que o inspira, e eu diria: vá atrás dessas paixões, qualquer que seja esse estilo musical. Eu acho que é muito bom, como músico, poder tocar com o maior número de pessoas diferentes possível, seja em uma “jam session” na sua casa, ou formando uma banda na garagem, ou, se você tem ambições de estrelado, o que for, eu acho que, sabe, a música é algo que une as pessoas, não se foque tanto no resultado, apenas aproveite o processo.

W: Excelente, Dave. Muito obrigado mais uma vez, foi uma honra e nós sempre apoiaremos o Megadeth em tudo o que vocês quiserem fazer, e vocês podem contar com o Wikimetal, nós estaremos sempre aí.

DE: Ótimo. Muito obrigado, foi muito bom falar com vocês. Tchau!

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