Texto por Ana Clara Martins

“Se você é um daqueles fãs de Pink Floyd que não suportam a política do Roger, você pode muito bem se retirar para o bar agora. Obrigado”, estampa um dos quatro telões presentes no palco. 

Assim Roger Waters inicia a sua passagem pelo Rio de Janeiro com a turnê This is Not a Drill, que ocorreu no último sábado, 28, no Estádio Olímpico Nilton Santos. 

Após 15 minutos de atraso devidamente cronometrados de 5 em 5 minutos nos telões – uma vez que grande parte do público ainda estava nas filas no horário previsto para o início do show – o ex-baixista do Pink Floyd surge no palco enquanto fuma um cigarro e empurra a cadeira de rodas de um homem que encena uma pessoa enferma. Então Roger dá o pontapé cantando “Comfortably Numb”, música que encerrou a sua última turnê “Us+Them”, em 2018. Dessa vez, a canção não contou com sua execução tradicional, mas seguindo o arranjo da versão regravada em 2022. 

Em sequência, o artista apresenta a junção de faixas icônicas do clássico The Wall (1979): “The Happiest Days of Our Lives” e as partes 2 e 3 de “Another Brick in the Wall”. Até então, Roger estava apenas cantando, quando parte para a guitarra apresentando duas músicas de sua carreira solo, “The Powers That Be” e “The Bravery of Being Out of Range”. Ao contrário das canções de sua antiga banda, o público não canta junto, aparentando até mesmo desconhecer as faixas. 

Entretanto, as mensagens exibidas nos telões em três idiomas distintos (português, inglês e espanhol) arrancam gritos de apoio e muitas palmas. A plateia se depara com imagens de inocentes brutalmente assassinados pelos mais diversos “motivos”, que são regidos sob uma ótica genocida do Estado: por ser negro(a), mulher, palestino ou judeu – mostrando que sua falta de apoio a Israel não está atrelada, como muitos pensam, a um posicionamento antissemita, mas sim antissionista, sempre criticando o apartheid praticado contra o povo palestino.

Em seguida, Roger critica os crimes de guerra cometidos pelos presidentes norte-americanos Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton, Barack Obama e, por fim, relata que os crimes cometidos por Joe Biden estão apenas começando. 

“The Bar”, nova música de Waters, foi responsável por levar o artista ao piano. Antes de apresentá-la, ele manifesta: “Esse local é enorme, é para o futebol! Então hoje todos vocês que estão neste local maravilhoso também estão comigo e com minha banda no bar. Por isso, obrigado! Bem-vindo”. 

Então o público foi presenteado com uma sequência deslumbrante de músicas do disco Wish You Were Here (1975). A partir desse momento, Waters inicia uma retrospectiva autobiográfica, dizendo: “Vamos voltar para 1974, quando eu tocava com outra banda”, e apresenta “Have a Cigar”, com projeções dos seus ex-colegas de banda (salvo David Gilmour), em especial Syd Barrett. 

E é justamente partindo de sua amizade com Syd que Roger Waters fala sobre o início da sua carreira. Enquanto a banda toca o instrumental que dá início à “Wish You Were Here”, faixa composta em homenagem ao amigo e um dos fundadores do Pink Floyd, um texto no telão detalha a história desde a época em que se conheceram até o dia em que decidiram montar uma banda. “Nós sonhamos o sonho e, por um tempo, vivemos dele. O resto é história”, estamparam os telões. Lágrimas escorrem entre a plateia, ao mesmo tempo em que o texto menciona o momento em que Roger percebeu que havia perdido Syd. “This is not a drill” (Isso não é o treinamento), finaliza o texto, fazendo com que seja possível compreender o conceito da turnê. 

Depois disso, chega o momento em que muitos aguardavam: Roger Waters pega o seu baixo precision e toca o clássico progressivo “Shine On You Crazy Diamond” (Parts VI-IX). Seguindo no baixo e com os telões trazendo uma ótica autobiográfica dentro da banda, a primeira parte do show é finalizada com “Sheep”, do álbum Animals (1977), enquanto uma ovelha gigante inflável pairava sobre o público. 

Aproximadamente 20 minutos separam o final do primeiro ato e o início do segundo ato. Durante esse intervalo, outro animal inflável gigante sobrevoou sob o público, dessa vez um porco.

Roger Waters volta ao palco na posição do enfermo, utilizando uma camisa de força. Retornando ao The Wall, o músico apresenta “In the Flesh” e “Run Like Hell”, em uma performance apoteótica, com direito a fogos. Após cantar algumas faixas de sua carreira solo, como “Déjà Vu” e “Is This the Life We Really Want?”, o artista volta a sua posição de baixista e instaura um dos momentos mais aguardados do show: toca na íntegra o Lado B do célebre disco The Dark Side of the Moon (1973), com as vozes do público ecoando todas as letras e inúmeras luzes coloridas que remetem ao famoso prisma presente na capa do álbum. 

Nesse momento, a banda que acompanha Roger recebe um destaque especial, com o guitarrista Jonathan Wilson assumindo os vocais, o saxofonista Seamus Blake brilhando com seus solos cristalinos e as vozes potentes de Amanda Blair e Shanay Johnson nos backing vocals. 

Finalizando a última faixa do disco, “Eclipse”, uma pessoa na plateia grita em plenos pulmões: “Eu te amo, Roger!”. O artista responde: “Eu também te amo, óbvio! Eu realmente te amo!”. Em uma das suas diversas interações com a multidão, o artista relata: “Conheci o presidente Lula ontem, que homem mais adorável!”. É nítida a maior aproximação não só de Roger com o público, mas do público com o próprio artista, quando comparamos com a turnê de 2018. “Ole Ole Ole Ole, Roger, Roger!”, vibra a plateia em uníssono, deixando o músico um pouco tímido, mas sobretudo muito feliz. 

Aproximando-se do final da apresentação, Roger relata que irá tocar “Two Suns in the Sunset”, última música do álbum The Final Cut (1982), que divide opiniões entre os fãs. Além disso, arranca risadas do público ao dizer que copiou os versos “Sad Eyed Lady of the Lowlands” de Bob Dylan, expressando seu amor pelo disco Blonde on Blonde (1966). 

Apesar de toda a grandiosidade do espetáculo, com luzes coloridas, animais gigantes infláveis e fogos, Roger optou por uma finalização intimista, com “Outside the Wall”, canção que também encerra o álbum “The Wall”. 

O músico relata que não sabe se terá forças para voltar aos palcos. Dessa forma, quem estava presente possivelmente experienciou a última chance de assistir Roger Waters e a sua forçarevolucionária ao vivo. Mesmo em mais de 50 anos de carreira, o artista segue fazendo sua arte política, mostrando que o choque geracional não é uma justificativa para apoiar ideologias fascistas.

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