Texto por Patrícia C. Figueiredo

Roger Waters pode facilmente ser descrito como um artista polêmico principalmente porque as pessoas que compram ingresso para seus shows normalmente estão em busca de entretenimento e não um choque de realidade como as performances do artista costumam ser. Durante o show na Arena do Grêmio em Porto Alegre na última quarta-feira, 01, parte da turnê de despedida chamada “This Is Not a Drill”,  não era de se esperar que o estádio não estivesse lotado, mas muito menos que houvesse tantos lugares vazios.

Como muitas obras de arte fazem, este show causa diferentes sensações e reações ao público. Além do ativismo político já esperado, o show não é apenas uma revisitação de alguns grandes clássicos do Pink Floyd, mas também é um breve resumo de sua carreira como artista, trazendo relatos íntimos e recordações pessoais do músico bastante comoventes.

Para aqueles que insistem que Roger Waters e política são dois assuntos que não se misturam, a mensagem no início foi bastante clara: “Se você é um daqueles que diz ‘Eu amo o Pink Floyd mas não suporto a política do Roger’, vaza pro bar!” A reação do público foi bastante positiva, com gritos e aplausos. 

Roger então entra no palco vestido de médico com um jaleco branco e um estetoscópio em volta do pescoço, empurrando uma cadeira de rodas vazia, ao contrário de outros shows em que ele empurrava um homem que parecia bastante doente. É “Comfortably Numb 2022” dando início ao espetáculo. A interpretação de Roger é impecável até mesmo durante o refrão que ele não canta, com o olhar triste e melancólico ora voltado para o nada, ora para a cadeira vazia, como se tivesse perdido seu paciente. 

Mas uma grande mudança de tom vem em seguida com as primeiras batidas impactantes de “The Happiest Days of Our Lives”. Os quatro telões gigantes impressionam com os dizeres desde sempre abordados pelo Pink Floyd: “nós bons, eles maus” e “Nós somos bons? Eles são maus? Quem diz isso? O governo. Sério?” São mensagens que caem como bombas em nossas cabeças.

Após a sequência empolgante e cantada em uníssono com “Another Brick in the Wall” partes 1 e 2, o “protesto” segue com “The Powers That Be” . Essa primeira parte do show conta com um conteúdo sociopolítico bastante pesado. No telão, imagens chocantes da violência de autoridades contra civis de diversas partes do mundo, incluindo a guerra recente na Palestina. 

Roger não deixa de afrontar grandes líderes americanos como Ronald Reagan, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump, tachados de “criminosos de guerra” no telão. Inclusive Joe Biden foi adicionado recentemente a esta lista por estar “apenas começando”.

Já com “Have a Cigar”, o músico propõe uma viagem aos tempos do Pink Floyd, e com “Wish You Were Here”, homenageia seu velho amigo e ex-companheiro de banda, Syd Barret. É sem dúvidas um dos momentos mais emocionantes do show.

O músico ainda comenta o momento de seu divórcio como tendo sido muito difícil e que sentiu que quase “se perdeu” também, assim com Syd Barret, em uma referência aos problemas com as drogas e seu estado mental, e então vem a música “Shine On You Crazy Diamond”. 

Para encerrar o primeiro bloco do show, tivemos “Sheep” e, entre as mensagens de resistência ao capitalismo e à guerra, quem realmente roubou a cena foi a ovelha inflável gigante que sobrevoou o público. 

Após um intervalo de cerca de 25 minutos, vemos a cadeira de rodas novamente, e dessa vez é Roger quem está sentado nela, restringido por uma camisa de forças e, acompanhado por homens vestidos de médicos, ele canta “In The Flesh” e o famoso porco inflável sobrevoa o público também. 

Com “Run Like Hell”, é sugerido que as pessoas apenas se divirtam, e os feixes de luzes junto com as imagens psicodélicas no telão parecem fazer do show uma rave. Mas por esta ser uma grande faixa do disco The Wall, temos cenas clássicas do filme homônimo ao disco, como a marcha dos martelos, e até uma menção ao livro 1984 de George Orwell.

Outro momento muito chocante são as cenas grotescas em que militares assassinam civis inocentes em Bagdá em 2007 em imagens cedidas pela soldada americana Chelsea Manning e publicadas pelo jornalista australiano Julian Assange. Apesar do choque, ambos foram ovacionados pelo público. A crítica fica por conta da balada “Déja Vu”. momento em que aparecem também as mensagens sobre diretos humanos para diversos grupos sociais como as mulheres, os negros, os palestinos, as pessoas trans e outros. 

Entramos então na reta final do show com “Money” e uma sequência de músicas do Dark Side Of the Moon. “Us and Them”, “Any Colour You Like” e “Brain Damage” embalam e unem as vozes dos fãs desse álbum tão clássico. 

Claro que um dos momentos mais esperado do show, se não o mais, é a projeção do prisma referente à capa do disco. É uma sensação bastante difícil de descrever, uma mistura de impacto pela própria melodia da música, a beleza das cores cobrindo as pessoas, da linha de batimento cardíaco projetada, e algo muito pessoal para qualquer fã de Pink Floyd, seja isso uma nostalgia, uma satisfação, uma superação, ou até talvez tudo isso junto e mais um pouco. 

Se o show tivesse terminado aí, teria sido lindo, mas Roger e a banda voltam para o bis, com “Two Suns in The Sunset” e a segunda parte de “The Bar”, tradicionalmente dedicada a Bob Dylan (de quem Roger roubou alguns versos para essa música), sua esposa e seu falecido irmão. 

Após apresentar toda a banda, temos “Outside the Wall”, e todos deixam o palco enquanto ainda tocam, e o público os acompanha até o backstage pelas imagens do telão até que a música termina. Um final bastante melancólico para o show.

É bastante claro que não apenas as opiniões, mas também os discursos fortes de Roger Waters não agradam a todos. Porém, incontestavelmente, a arte é seu maior meio de protesto e o músico só acaba por decepcionar aqueles que não concordam com os ideais que ele propaga. Sem dúvida, Roger Waters deixou o público arrepiado e sem palavras com um espetáculo imersivo, subversivo, impactante e deslumbrante. 

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