O festival Knotfest finalmente chegou ao Brasil no último domingo, 18 de dezembro, em uma primeira edição com shows inesquecíveis, encontros de peso dentro da curadoria impecável do evento e gostinho de quero mais ao final da noite encerrada pelo Slipknot, mesmo com pontos de melhoria na estrutura.

A abertura do dia de trabalhos intensos ficou por conta das bandas brasileiras do line-up, com Black Pantera subindo ao palco às 11h para um set curto, porém intenso e com público fiel, mandando o recado sobre quem acredita em “poder branco”. A banda foi recrutada para substituir os norte-americanos do Motionless In White, que cancelaram os shows no país de última hora por motivos de saúde entre os membros da banda e da equipe da turnê. (Se tiver problemas para visualizar nossa galeria de fotos, clique aqui)

Em set com Jimmy Rats, Oitão trouxe um som frenético e conseguiu uma roda esparsa na frente do palco, mas ficou claro que o público ainda estava se ambientando ao festival naqueles primeiros momentos sob o sol impiedoso.

Essa timidez inicial mudou no show do Project46, responsável por reunir o maior público do Knotstage nas primeiras horas do dia. Com a bandeira LGBTQIA+ no palco, a banda mostrou a habilidade de controle do público, que obedeceu quando o vocalista Caio MacBeserra fez um esquenta pro show do Slipknot mandando todos ajoelharem para depois pular e depois abriram uma wall of death aos comandos do frontman.

Iniciando as atrações gringas do Knotfest Brasil, o Trivium chegou no palco Carnival Stage com uma explosão de alto nível. A banda, que já havia se apresentado em São Paulo durante a semana para uma plateia bem mais intimista (veja fotos aqui), era celebrada mesmo entre os vendedores dos bares próximos ao palco. Sob a liderança carismática de Matt Heafy, os fãs brasileiros foram desafiados a superar a energia do público de Buenos Aires, na Argentina, eleito “o melhor da nossa turnê pela América Latina” até o momento pelo frontman da banda. A solução para superar os adversários seria cantar, pular e bater cabeça com o grupo.

Logo depois, com horário e palco privilegiado para uma banda tão jovem, se apresentando após veteranos como o Trivium e em palco mais relevante que o Sepultura, que chegaria na sequência, Vended reuniu um público mais jovem. Griffin Taylor mostrou todo o potencial, lembrando o pai, Corey Taylor, na qualidade vocal, boa presença de palco e boca suja, sem pronunciar uma frase sequer sem soltar três ou quatro “fucking” no meio. Ainda que o restante da banda seja parada, com melhorias necessárias no quesito performance, o som enérgico do Vended mostrou o potencial e a promessa dos garotos de voltar ao Brasil certamente encontrará público para se concretizar.

Com alguns minutos de atraso para aguardar a decisão da Copa do Mundo, que atrapalhava a locomoção entre os palcos pela quantidade de metalheads vidrados no jogo, transmitido ao vivo na área entre ambos os palcos em um telão, o Sepultura reuniu um público gigantesco Carnival Stage para encerrar o ano em grande estilo. O nome mais relevante do metal brasileiro trouxe um show celebratório para encerrar a agenda do ano, com diversos convidados especiais do disco SepulQuarta, começando por Scott Ian (Anthrax), Matt Heafy (Trivium) e Phil Anselmo (Pantera), em um show amplamente apoiado pelo público, que fez rodas após Andreas Kisser apontar a timidez inicial dos fãs. Os coros de “Sepultura, Sepultura” foram entoados em todas as oportunidades e encontraram eco até o final da pista.

Como todos os shows do evento foram intercalados entre ambos os palcos do Knotfest Brasil, posicionados em extremos opostos do Sambódromo de Interlagos, e com pouco tempo de intervalo entre cada apresentação, se tornou tarefa impossível acompanhar todos os shows – no nosso caso, apesar da cobertura fotográfica completa, não foi possível acompanhar Mr. Bungle e Bring Me The Horizon para embarcar em outras aventuras, como comprar comida e visitar o Knotfest Museum, mas nossa colaboradora Leca Suzuki registrou os melhores momentos.

Na reta final do Carnival Stage, a reunião tributo do Pantera reuniu outra multidão: as pessoas chegavam correndo, com os braços para o alto, em clima festivo pela experiência, cantando todas as letras e pulando. Apenas com Phil Anselmo da formação original presente, uma vez que Rex Brown se ausentou da turnê após contrair COVID-19 e foi substituído temporariamente por Derek Engemann, o resultado ao vivo desse retorno da discografia da banda aos palcos é musicalmente irresistível: Anselmo segue com vocais inconfundíveis e em plena forma, enquanto os convidados Zakk Wylde e Charlie Benante honram o legado sem perder a própria personalidade no processo.

Existe uma insistência em justificar a reunião – ou talvez no uso do logo e nome Pantera – subentendido na forma como a imagem dos irmãos Abbott é usada o tempo todo. Antes da banda entrar no palco, um clipe com imagens do Pantera nos tempos áureos são apresentadas, com a silhueta de Dimebag Darrell e Vinnie Paul anunciando o início do show. “Cada nota tocada é em homenagem a eles”, explicou o vocalista logo no começo. Aos mais receptivos à reunião, apesar das controvérsias, os gestos provavelmente caem bem como uma homenagem digna. No final, o vocalista deixou no ar um possível retorno, perguntando aos fãs presentes se iriam a outro show do Pantera em solo paulista.

Judas Priest chegou com a veia clássica que faltava no line-up até então com suas roupas de couro, refrões grandiosos, solo de bateria e 50 anos de estrada, atraindo uma multidão ao Carnival Stage. A banda fez parte da Metal Week e já havia se apresentado em São Paulo (veja fotos e resenha aqui) para um público menor na última quinta-feira, 15, mas mostrou como ganha ainda mais força um palco digno da envergadura da história dos gigantes do metal, mesmo com um set mais direto ao ponto. 

Para encerrar a noite inesquecível, Slipknot chegou com tudo, como esperado, reuniu um público gigantesco de fãs de diversas idades, inclusive crianças, com predominância de jovens adultos. No setlist equilibrado entre passado e presente, não faltaram clássicos, muito celebrados pelo público. “Não importa se você nos acompanha há 20 anos ou 20 minutos, aqui somos uma família”, garantiu Corey Taylor.

Com palco grandioso e efeitos de fogo, a banda entregou uma performance visceral e catártica, que justifica a fascinação do público apaixonado no Brasil e a grandiosidade do nome do Slipknot no metal atual. Com a promessa de um retorno, a banda encerrou a noite com fogos de artifício e a expectativa de novas edições do festival por aqui. 

Experiência Knotfest deixou a desejar 

O festival de curadoria própria do Slipknot, grande headliner da noite, propõe uma experiência para além da música, dividida entre os palcos Carnival Stage e Knotstage. Na edição brasileira, porém, surpreenderam os espaços vazios, tão comumente ocupados por ativações de marcas e pontos de descanso cobertos em eventos de outros estilos musicais, como o Primavera Sound, que aconteceu recentemente no Sambódromo de Interlagos.

Sem grandes decorações ou estruturas que proponham uma imersão completa no universo do heavy metal e na visão da banda, o Knotfest trouxe apenas o trivial para a primeira edição brasileira: bares, praças de alimentação com food trucks e barracas, lojas de merch oficial. Os poucos artistas circenses que pareciam ser o extra necessidades para criar uma atmosfera dentro do mundo bizarro da banda não foram suficientes para ocupar a área de tráfego de fãs, chamando pouca atenção. 

Entre os diferenciais do Knotfest, havia uma área reservada para tatuagens; um telão para exibir a final da Copa do Mundo de futebol, que reuniu uma quantidade surpreendente de pessoas durante todo o jogo, com comemorações efusivas diante de gols; e o mais aguardado: o Knotfest Museum, atração mais diferente do evento, que colocou os fãs em longas filas debaixo do sol, aguardando até 1h30 para entrar e ver pessoalmente roupas e máscaras da banda, instrumentos musicais e outros itens da trajetória do Slipknot. 

Apesar de interessante e com itens raros, como o baixo de Paul Gray, a atração poderia ter explorado mais cenários para fotos, algo que também faltou do lado de fora: eram poucos espaços para os fãs posarem e registrarem a experiência no evento de forma reconhecível de onde estavam.

As filas foram outro ponto: fãs relataram longas esperas para estacionar ou entrar no evento. Já nos food trucks disponíveis, havia espera de até 1h para receber os lanches, o que significava perder shows, e alguns estabelecimentos lidaram com momentos de paralisação.

O grande acerto do festival ficou na curadoria musical, com shows de alto nível e atrações que agradavam amplamente o público, equilibrando veteranos como Judas Priest, grandes nomes como o próprio Slipknot, e as novas gerações, como Bring Me The Horizon e Vended. Mesmo sem tanta imersão em questão de infraestrutura, o evento pode ser considerado um sucesso e deixou a expectativa por novas edições no país.

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