Gene Simmons tem um dos rostos mais conhecidos do rock e cultura pop sob o alter ego The Demon no Kiss, um demônio vestido em armadura que cospe sangue e fogo nos shows. Seja pela figura potente nos palcos ou pela habilidade ao lidar com os negócios, o cantor e baixista ergueu um verdadeiro império do nada ao se unir a Paul Stanley, Ace Frehley e Peter Criss na década de 1970.

Hoje, aos 71 anos e prestes a retomar a reta final da The End Of The Road Tour, turnê de despedida da banda mais quente do mundo, Simmons olha para trás com orgulho e compartilha os segredos da vitalidade e sucesso que mantém até mesmo com o fim da linha no Kiss. 

Nos dias 21 e 22 de agosto, o documentário KISStory, produzido pelo canal A&E, estreia em solo brasileiro para contar a história da banda. Em coletiva de imprensa para veículos da América Latina, concedida no final de julho e acompanhada pelo Wikimetal, o músico conversou sobre a superação pessoal ao longo dos anos, momentos polêmicos da carreira da banda e os planos para o futuro. 

“A coisa mais importante é ser honesto com os fãs, não dizer nada além da verdade a eles. Há lindas histórias, mas também histórias ruins com drogas e álcool, momentos bons e ruins. Mas devemos a verdade aos fãs”, contou sobre a importância do novo documentário. “Nós queríamos fazer algo diferente, não estamos querendo embelezar [a história], não é doce e florido. Queremos mostrar que há buracos na estrada, essa é a vida e não é justa.”

LEIA TAMBÉM: Alice Cooper responde Gene Simmons sobre rock estar morto: “Garotos estão aprendendo hard rock agora”

Em 40 anos de carreira, a banda passou por algumas mudanças dramáticas na formação, mas os integrantes nunca deixaram de falar abertamente sobre os motivos envolvidos e a versão de cada lado. A situação se repetiu em KISStory, pois Criss e Frehley se recusaram a participar da produção após divergências nas negociações. Os ex-integrantes queriam receber créditos de produção e cachê, mas a negativa da banda foi categórica.  “A resposta foi ‘Não, o seu envolvimento não garante isso.’ E quem é que sai perdendo em uma situação dessas? Eles”, disse Stanley à Ultimate Classic Rock sobre o caso. 

Apesar dos altos e baixos, trocas de farpas e até acusações na imprensa, Simmons não deixa de citar os antigos colegas com gratidão e respeito. “Kiss começou como uma banda, mas se tornou uma família adotiva. Houveram brigas, algumas pessoas estavam com saúde e outras não. É preciso lembrar que, mesmo nos momentos ruins, sempre fomos uma família. Ace e Peter sempre serão família, não estaríamos aqui sem eles”, reconheceu.

Formação do Kiss em 1977
Formação do Kiss em 1977. Crédito: Reprodução/Facebook

Ao pensar na história da banda, os conflitos internos com os ex-colegas são lembrados como um dos episódios mais tristes e dolorosos em todo o processo de desgaste até a demissão final, durante a primeira turnê anunciada como a despedida do Kiss, no começo dos anos 2000. “Infelizmente, o pior momento foi quando percebemos que você não pode dirigir um carro com dois pneus furados”, relembrou o músico. “Foi difícil perceber que os quatro integrantes originais não estariam na jornada inteira, tivemos que nos divorciar de Ace e Peter três vezes. Nós os trouxemos de volta, nós os amamos, tentamos novamente e não funcionou, isso é o mais triste”.

Se os colegas sucumbiram diante dos vícios, o problema de Gene Simmons sempre foi outro – e desde a infância.  “Eu nunca usei drogas, nunca fumei cigarros, mas tenho um grande ego e sei disso. Tento controlar, mas eu era filho único, não tinha irmãos ou irmãs e tudo que podia fazer era olhar no espelho, olhar para mim. Se torna fácil esquecer que é preciso trabalho conjunto, e nem tudo é sobre você”, confessou. 

LEIA TAMBÉM: Kiss sem Ace Frehley ainda faz sentido, decidem leitores do Wikimetal

Amado por muitos, odiado por outros tantos por essa postura sem papas na língua e sem remorso, a superação na história do baixista é inegável. A mãe sobreviveu a três campos de concentração nazistas e foi liberada aos 19 anos de idade, em 1945, após perder os pais e um irmão. Alguns anos depois, deu à luz a Chaim, o nome verdadeiro do astro do rock, e se mudou com o único filho para os Estados Unidos. 

Ao chegar lá, Gene nem mesmo sabia falar inglês, mas estava fascinado com o mundo ao seu redor. No rádio, The Beatles e Little Richard eram alguns dos favoritos. A história da mãe foi a bússola moral que o manteve longe das drogas e o fez acreditar em si. 

Gene Simmons
Gene Simmons. Crédito: Reprodução/Facebook

O segredo para a vitalidade depois de tanto tempo, ainda usando uma roupa com mais de 10 kg durante os shows, está no cuidado com o corpo e a mente. “Bom, é preciso ir para a academia quase todos os dias. Você precisa parar de comer bolo. Esse é meu maior problema, eu amo bolos, cookies, chocolate”, brincou. “Mas a única maneira é se você não beber álcool, não usar drogas e não fumar cigarros, você pode ter 71 anos de idade e quando colocar sua mão na altura do rosto, ela não vai tremer. Você pode fazer isso. Mente sadia, corpo sadio, tudo funciona, lá embaixo funciona, aqui em cima funciona. Quando você sabe no palco, você arrasa. Muitas pessoas morrem cedo porque colocam porcaria no corpo”. 

Retorno da turnê

Após inúmeros adiamentos e até cancelamentos, Kiss retoma a extensa turnê de despedida em agosto, com passagem garantida pelo Brasil entre abril e maio de 2022 – desde que a saúde pública no país permita, como Simmons sinalizou especialmente ao público brasileiro

“O mundo ainda não está seguro, mas está melhor do que antes e vamos ser muito cuidadosos, todo mundo na equipe da turnê vai usar máscaras e lavar as mãos. Convocamos a todos que vão ao nosso show: por favor, se vacine”, alertou o músico. “Sei que no Brasil, especialmente, é um grande problema. Política está entrando no caminho da ciência, tem muitas pessoas morrendo e isso é muito sério. Por favor, se vacinem, por favor, receba as duas doses. Vocês devem fazer isso não apenas por si, mas porque há outras pessoas que podem morrer porque algum político disse que [o imunizante] é falso. Políticos são idiotas, escutem os cientistas e médicos”. 

Assim como tantos outros artistas já fizeram, The End Of The Road Tour é a segunda turnê da carreira da banda a ser anunciada como a última. Há 20 anos, The Farewell Tour prometia ser a última vez do grupo nos palcos, mas se tornou apenas o marco final de Ace Frehley e Peter Criss na história do Kiss.  

Depois de todo esse tempo, a ética de trabalho da banda nos palcos segue a mesma dos quatro jovens que se uniram em Nova York para formar a banda dos próprios sonhos, realizando as fantasias de milhões de pessoas desde então. “O mundo tem muitos problemas: crime, drogas e violência. Espero que você esqueça disso quando for ao show do Kiss, como ir à igreja. Quando você vai para igreja, esquece todos os problemas, até o trânsito”, comenta Simmons. “Torcemos que todos os shows que ainda vamos fazer mantenham a verdade de como nos apresentamos no começo: ‘Você queria o melhor, você terá o melhor’. Queremos fazer essas palavras terem significado em todo show”.

KISS
KISS. Crédito: Reprodução/Facebook

LEIA TAMBÉM: Paul Stanley relembra matéria que previa o fracasso do KISS: “Não é fácil ser um crítico desempregado”

O setlist da turnê reúne os maiores clássicos da discografia do Kiss em sequência, sem buscar faixas do lado B para o último giro internacional. A experiência já provou que os fãs querem ouvir sucessos, de “Rock And Roll All Nite” a “Lick It Up”, e acusações de sexismo nas letras – elemento enraizado na maior parte das bandas de hard rock da época – não mudarão isso. 

“Nós vamos tocar essa música, gostem ou não. Escrevi uma faixa chamada ‘Christine Sixteen’ [no álbum Love Gun], mas é só uma letra, não significa o que o título diz. Nós tocaríamos essa? Sim, sem problemas”, afirmou. “Como nos filmes, não é sobre a vida real. Então nesse mundo politicamente correto, vamos tocar ‘Lick It Up’? Sim, nós vamos”. 

Em quase cinco décadas de estrada, uma memória no Brasil se destaca no coração do ícone. Em 1983, durante a turnê do álbum Creatures of The Night, a banda passou pela primeira vez pelo país e fez um show histórico no Rio de Janeiro. Com a grande quantidade de fãs aos arredores, o grupo precisou chegar ao local do evento em um tanque do exército e várias ruas foram fechadas.

“Tocamos no estádio do Maracanã, no Brasil. Naquela época, tínhamos perdido Ace, mas eu lembro de olhar esse estádio, o maior do mundo, e realmente perceber quantas pessoas estavam lá”, narrou. “É quatro vezes maior do que qualquer outro estádio no mundo. É algo que gostaria de repetir, foi a coisa mais maravilhosa que já vimos, era como se apresentar para o universo”. 

LEIA TAMBÉM: Kiss: apresentação da banda no ‘Programa Livre’, do SBT, em 1994 é divulgada na íntegra

Categorias: Notícias