Angra anunciou recentemente um show exclusivo no Bangers Open Air 2026 com a chamada formação Nova Era, do álbum Rebirth, marcando uma reunião histórica de Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli com Edu Falaschi, Aquiles Priester e Kiko Loureiro.
Dada principalmente entre 1999 e 2003, essa fase do Angra permanece como um dos capítulos mais conturbados da história do metal brasileiro. O período não apenas marcou uma reconfiguração completa da banda, como também foi cercado por disputas judiciais, divergências criativas e tensões internas que, ainda hoje, moldam o modo como os fãs e a imprensa analisam a trajetória do grupo.
Fase pré-‘Rebirth’: crise na formação original
A crise na banda começou a tomar forma no fim de 1999, quando conflitos entre os integrantes passaram a impedir o andamento das atividades. Na época, os membros originais como Andre Matos e Luís Mariutti – junto do baterista Ricardo Confessori -, deram declarações na mídia apontando as divergências sobre contratos e sobre o controle da marca Angra.
Em entrevista concedida ao programa Fúria MTV na época, Andre Matos mencionou que preferiu deixar a banda a brigar na justiça. “Eu sou músico. Eu nasci músico e vou morrer músico. E mesmo que eu esteja perdendo dinheiro agora tomando essa decisão, eu estou muito feliz. Pois, finalmente eu me libertei de uma coisa que é o lado negro da indústria fonográfica”, declarou.
Em 2000, após anos de desgaste interno, divergências criativas e conflitos administrativos, Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori deixaram o Angra, rompendo definitivamente com Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro. A separação abriu uma disputa jurídica porque ambas as partes reivindicavam o direito de continuar usando o nome Angra.
O impasse ocorreu porque o contrato social da banda e o registro da marca não estavam claramente definidos entre os membros, o que levou os dois “lados” a buscarem reconhecimento legal de quem detinha a posse do nome. Ao final do processo, Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro ficaram oficialmente com a marca, permitindo que seguissem em frente com uma nova formação e iniciando a chamada Nova Era.
No início de 2001, Rafael Bittencourt recrutou Edu Falaschi (vocais), Felipe Andreoli (baixo) e Aquiles Priester (bateria), além de seguir ao lado de Kiko Loureiro. Os fãs e críticos celebraram o “renascimento” da banda com o lançamento do álbum Rebirth, em novembro de 2001, que completa 25 anos em 2026.
Conflitos internos com Aquiles Priester e royalties “não pagos”
Apesar da nova fase ser bem recebida, logo as polêmicas começaram a ganhar força nos bastidores durante a turnê mundial de Rebirth. O álbum e a turnê trouxeram aclamação crítica, mas também alimentaram resistência de parte da base de fãs, que comparava constantemente a nova sonoridade e presença de palco à formação “clássica” liderada por Andre Matos. Ainda mais com o recém-formado Shaman, onde a imprensa e fãs exploravam o clima de rivalidade, acentuado pelo fato de ambos os grupos lançarem discos e excursionarem simultaneamente.
Ainda assim, os anos entre 2000 e 2003 permanecem como um dos episódios mais discutidos do Angra. Não apenas pela reestruturação interna, mas pela soma de disputas públicas, tensões criativas e desafios que transformaram o Rebirth em um marco de reconstrução. E, ao mesmo tempo, em um dos períodos mais controversos da história do metal brasileiro.
As polêmicas internas vieram à tona nos anos seguintes. Um dos conflitos mais notórios envolveu a saída de Aquiles Priester, demitido em 2007. O baterista atribuiu a demissão à conflito de ego e ciúmes dos colegas pela boa repercussão com o público, mas Felipe Andreoli descartou essa narrativa em entrevista ao Ibagens Cast realizada em 2021.
Ele também contou que a demissão de Priester poderia ter acontecido muito antes, mas a decisão não era algo simples. “A gente demorou para tirar o Aquiles da banda, dada a insatisfação que já tinha dentro do grupo pelas atitudes dele. É uma decisão muito difícil de se fazer, imagina você pegar uma banda que fez Rebirth, Temple of Shadows…” contou o baixista. Para o mesmo canal, Rafael Bittencourt disse que “a saída do Aquiles foi um grande alívio”, justificando que, apesar do talento, ele tinha dificuldade para trabalhar em equipe.
Além disso, há ainda a disputa por direitos e royalties. Priester cobrou o Angra publicamente por royalties supostamente nunca pagos [via Whiplash]. “Qualquer hora temos que nos sentar para conversar sobre os royalties da música ‘Caça e Caçador’ (que sou coautor). E que está no DVD mais recente lançado pela banda (Angels Cry 20th Anniversary Tour) […] Também podemos falar sobre os royalties da coletânea Best of Reached Horizons que foi lançada no Japão e na Europa e que têm performances minhas. Podemos falar também sobre os meus royalties das duzentas e cinquenta mil cópias (aproximadamente), que foram vendidas ao redor do mundo dos discos Rebirth, Hunters and Prey, Live in São Paulo (CD e DVD) e Temple of Shadows. Só lembrando que essa foi a principal razão da minha saída, pois não conseguia mais trabalhar de graça, né?”
Edu Falaschi e a confusão com direitos autorais
Já a saída de Edu Falaschi, vocalista durante grande parte da era Rebirth, foi anunciada em maio de 2012 por meio de uma carta aberta. Tudo começou em 2002, com o lançamento do DVD Rebirth World Tour – Live in São Paulo, que além de consolidar a nova fase, trouxe também novas discussões sobre a pressão vocal enfrentada por Edu Falaschi.
A carga de shows, aliada ao repertório herdado da antiga formação, exigia um alcance que extrapolava seu registro natural. Segundo Edu, ele deixou o Angra para preservar a sua voz. “Eu tive que pensar em mim e assumir que o Almah é aquilo que hoje me dá mais possibilidade de continuar cantando bem, porque lá as notas estão ao meu alcance. Eu não tenho que cantar músicas muito agudas como aquelas dos tempos do Andre”, explicou em entrevista à Rolling Stone. Edu também disse que queria se dedicar mais ao seu projeto Almah, onde podia cantar em registros mais confortáveis para ele.
Em 2020, em uma entrevista ao programa Heavy Talk, Rafael Bittencourt, contou que Edu registrou músicas que não pertencem a ele em uma editora musical em paralelo, o que teria prejudicado o guitarrista e outros músicos em relação a direitos autorais. “Ele registrou músicas que não são dele. Tem músicas do Andre Matos, músicas do Iron Maiden, do Genesis. Só pode ter sido desatenção do Edu, mas por conta disso, gerou duplicidade no cadastro e por isso, os autores não recebem direitos autorais desde 2015″, explicou [transcrição via Wikimetal].
“Passei 7 anos tolerando os problemas que ele tinha. Que não eram só a voz, que pipocava. Eram problemas comportamentais”, continuou Bittencourt. Na ocasião, ele ainda mencionou a existência de problemas que colocariam Falaschi no “âmbito criminal”, mas preferiu não se aprofundar no assunto. “Eu estou sem receber direitos autorais de pelo menos 50 músicas desde 2015. Vamos começar por esse assunto. E têm muitos outros assuntos, muito mais pesados, que de verdade, entram na área criminal,” comentou.
Edu negou qualquer irregularidade, afirma possuir coautoria legítima no repertório e garante que o projeto segue as normas de direitos autorais. A divergência reacende antigas disputas sobre créditos, composições e propriedade intelectual da fase Rebirth/Temple of Shadows.
Saída de Kiko Loureiro
Quanto a Kiko Loureiro, guitarrista de longa data, sua saída também refletiu desentendimentos sobre a sustentabilidade da banda. Em entrevista à Rolling Stone, ele afirmou que “é difícil manter uma banda por muito tempo”. Além de outros compromissos e sua carreira fora do Brasil, tornou-se complicado conciliar a vida no Angra.
Em outra declaração, Loureiro disse que a decisão de se afastar já vinha de antes do convite para entrar no Megadeth, por causa de altos e baixos na banda entre 2008 e 2009. Rafael Bittencourt, por sua vez, comentou que manter Kiko como guitarrista de turnês com o Angra se tornou difícil. Justamente por seu nível artístico e compromissos: “um cara que participou do Megadeth é um músico de um calibre muito difícil de manter no Angra” [via Whiplash].
Angra anuncia retorno da formação da era ‘Rebirth’
Após os desentendimentos, finalmente o Angra anunciou um retorno histórico como headliner do Bangers Open Air 2026, no domingo, 26 de abril. A apresentação reunirá no mesmo palco a formação denominada Nova Era, que marcou a fase do renascimento da banda.
O show está dividido em três atos que celebram diferentes fases da história da banda, informou o Angra em nota nas redes sociais.
O primeiro ato contará com a formação atual, com Rafael Bittencourt, Felipe Andreoli, Marcelo Barbosa, Bruno Valverde e Alírio Netto, com a participação de Fábio Lione. No segundo ato, subirá ao palco a formação Rebirth, com Kiko Loureiro, Edu Falaschi e Aquiles Priester. Já no terceiro e último ato, todos estarão juntos no palco em uma grande celebração do legado da banda, que em 2026 completa 35 anos.
O Bangers Open Air acontecerá no Memorial da América Latina, em São Paulo, nos dias 25 e 26 de abril. Garanta seus ingressos no Clube do Ingresso.
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