Texto de Rust Costa. Fotos de Daniela Cony

O calor e o som estavam altos no dia 1/10, data em que Porto Alegre recebeu 3 grandes nomes do rock internacional. Tendo marcado presença no Rock in Rio 2019, Helloween, Whitesnake e Scorpions aproveitaram o passeio pela América Latina para levar seus shows por diversas cidades.

Em Porto Alegre, o trio de lendas foi recebido por um grande público no escaldante Gigantinho, ginásio de esportes anexo ao estádio do Internacional. Quem costuma presenciar eventos de grande público no local, cuja circulação de ar deixa a desejar, não consegue evitar a lástima de um grande campo de futebol vazio logo ao lado. Porém, a tarde de primavera com jeitinho de inferno não assustou os milhares de presentes, que ajeitavam-se vagarosos ao longo daquela tarde.

Ainda antes das 18h, os gaúchos da Cartel da Cevada “aqueceram” (termo infeliz) o fim da tarde com seu já tradicional número de rock n’ roll gaúcho, borracho e endiabrado. Infelizmente, dado o adiantado horário do show, boa parte do público ainda estava empenhado na hora do rush daquela terça feira – inclusive eu mesmo, que – cena antológica – apenas esbarrei com o diabo pilchado que frequenta o palco com a banda.

Quando adentrei as portas do ginásio, no melhor estilo ‘Detroit Rock City’ (o filme), vi de longe o fundo do palco do Helloween, trazendo menções aos temas visuais da banda ao som de “Initiation” (faixa que abre o clássico Keeper I). Com o aguardado retorno de Kai Hansen e Michael Kiske, o Helloween vem para sua segunda visita ao Brasil com essa macroformação (a anterior fora em 2017, passando por Porto Alegre no próprio dia 31/10, Halloween), mas dessa vez tocando menos da metade daquele show. Assim, coube aos alemães fazer a complexa triagem do que sai e do que fica, de modo que o setlist privilegiou os grandes momentos de cada uma das 3 encarnações da abóbora teutônica. A “era Deris”, a mais econômica e sem novidades, trouxe “Perfect Gentleman” e uma emocionada “Power”; já a fase “quarteto”, com Kai Hansen no posto de vocalista, foi representada pelas poderosas “Ride the Sky” e “How Many Tears”, esta última trazendo a participação de todos os vocalistas. Mas é claro que o mais privilegiado foi justamente o mais impressionante, com Kiske a frente do bando com os agudos mais cobiçados do heavy metal melódico, trazendo um verdadeiro best of da era Keepers com “I’m Alive”, além de “Dr. Stein”, “A Tale that Wasn’t Right” e “Eagle Fly Free”.

A gig fechou com “Future World” e o clássico unânime “I Want Out”, com direito a chuva de balões e orquestração de um coro de fãs. Com um entrosamento instrumental sob medida para uma grande e esperada reunião, o trio de guitarristas (Kai Hansen, Michael Weikath e Sascha Gerstner) mais o baixista Markus Grosskopf desfilavam alegre e caoticamente pelo palco a frente de telões que refletiam as canções executadas, os quais faziam menção aos álbuns e às letras, contribuindo para um desbunde de entretenimento visual. Além do show de vozes e melodias já acimentadas no imaginário heavy metal, os alemães mais uma vez evidenciaram com sorrisos, euforia e uma energia inesgotável sua satisfação de subir nos palcos gaúchos (Porto Alegre está sempre no mapa de suas turnês) e entregar aquilo que seus fiéis invariavelmente desejam ouvir.

A pausa para a cerveja, aliás não tão longa, se encerra com o logotipo clássico do Whitesnake no telão. 3 anos após sua última vinda à capital gaúcha, David Coverdale sobe ao palco destilando o carisma que faz dele, mesmo um pouco rouco, um dos grandes líderes do hard rock mundial em plena atividade. Portando-se como o grande ídolo da noite e recebido como uma entidade, o vocalista conduz um legado musical de respeito, enfatizando o grande álbum de 1987. Na bateria, o expansivo Tommy Aldridge aos 69 ainda dá conta do recado, sendo fundamental não apenas para o peso de hits FM como “Is this Love?”, “Here I Go Again” e a imponente “Love Ain’t No Stranger” ganham ao vivo, mas também para a energia extenuante dos sons mais pesados, como “Bad Boys” (que abriu a noite), “Still of the Night” (o ponto alto) e “Burn” (que deixou de pé a plateia alojada nas arquibancadas).

Sem parar no tempo, o Whitesnake trouxe 3 temas do último álbum Flesh and Blood (2019) que, sem medo de ser feliz, trazem o frescor e a juvenília do hard rock oitentista em faixas como “Trouble Is Your Middle Name” e “Shut Up & Kiss Me”. Nas guitarras, Reb Beach e Joel Hoekstra dão aula de virtuosismo e grandes timbres metálicos. A performance do Whitesnake foi bastante balanceada: altas doses de intensidade, momentos de descanso, solos longos, porém de fato impressionantes. Mas numa coisa, Coverdale e seus bad boys foram reis: a construção de uma atmosfera muito romântica, mas não (apenas) no sentido amoroso, pois eles deram a chance de revivermos um sentimento há muito deixado de lado pelos praticantes do rock n’ roll moderno – refrãos de cantar aos berros, vontade de chorar e voltar no tempo, olhares e trocas entre integrantes e plateia, e a sensação de que aquela noite não deveria acabar nunca.

E de fato, ainda tinha mais por vir. Se até aqui já tínhamos casa lotada, foi com a entrada do Scorpions que se viu todas as arquibancadas ocupadas. Claro, pois das três atrações essa é banda que atinge uma maior gama de pagantes (e a opção nos acentos era a menos salgada do bolso do contribuinte), uma maior gama de fãs mais velhos e famílias reunidas, e também – ao menos de nome – um maior alcance no imaginário do rock. A última vinda do Scorpions havia sido no Live N’ Louder em 2005, saudoso festival que trouxe, entre outros, a última turnê do Nightwish com Tarja Turunen, e também o Sha(a)man, que colhia belos frutos depois de feitos inéditos na história do metal nacional. Novamente como headliners, a sonoridade do Scorpions permanece intacta, e até mais heavy. A voz característica de Klaus Meine emocionou tanto em números como “Send Me An Angel” (executada em instrumentos acústicos) e “Wind of Change” que era possível até esquecermos do calorão. “The Zoo”, “Big City Nights” e “We Built This House” trouxeram uma sonoridade explosiva, mostrando que mais idade (alguns membros já passam dos 70 anos) pode também significar de mais peso, mais volume e mais metal. Um luxuoso show de luzes nos telões dá movimento ao atual concerto dos alemães de Hanover, uma saída razoável para a banda se manter confortável no palco sem sacrificar a atenção do público. Foge à regra o grande baterista Mikkey Dee, que surrou o instrumento impiedosamente e roubando a cena com caras, bocas e viradas monumentais. A banda voltou para o bis com (é claro) “Still Loving You” e “Rock You Like a Hurricane”, abandonando o palco e o público à sua própria sorte.

No fim das contas, toda a publicidade do Rock in Rio acaba mesmo afetando todas as cidades por onde passam os nomes de seu cast. Porto Alegre viveu dias de euforia nas duas semanas em que recebeu o trio desta grande festa, bem como o Iron Maiden na semana seguinte. Parece, afinal, que o público dos roqueiros gaúchos (que o underground local tanto critica) sai da toca quando a oferta é generosa (uma lição a ser aprendida?). Bandas consagradas, que viveram seus dias de cão há mais de 3 ou 4 décadas, hoje lançam mão de todo aparato que podem para deixarem os fãs satisfeitos: se o tempo é curto, compensam com clássicos inquestionáveis; se a idade exige que se contenham exageros, entregam performances acima da média. Um mês que deixará saudades aos milhares de presentes, que agora se esbarram pelas ruas ostentando camisetas adquiridas em 2019 com a alegria de quem viu seus ídolos em dias de glória. Que venham mais monstros da história da música: estamos preparados para confrontá-los.

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