Texto escrito pelo WikiBrother Marcello Lacerda para a coluna Scream For Me, WikiBrother

1971. Eu tinha 8 ou 9 anos. Sétimo filho do sétimo filho. O caçula. Toda a minha família adorava música, cada um ao seu jeito (no caso da minha mãe, era o som da vara de marmelo ou de um chinelo estalando, mas essa é outra história…), jovem guarda, bossa nova, MPB, tropicália, música clássica e roquenroll. Nasci com os The Beatles. Minha memória mais antiga de um disco é a capa do Help!.

Tínhamos mais compactos do que long plays, o LP; eu era viciado no que tinha “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”, do B. J. Thomas – até hoje, toda vez que escuto essa música sinto falta dos estalos que tinha no compacto. E assim fui crescendo, com toda aquela diversidade musical. Até o dia em que fui apresentado ao primeiro disco do Black Sabbath.

Como eu disse antes, era 1971, e a ditadura nos deixava totalmente atrasados também no aspecto cultural: poucas eram as rádios que tocavam rocks internacionais e, quando tocavam, dificilmente identificavam autores e músicas. Discos, então, nem pensar! Os importados eram caríssimos! Os lançamentos demoravam às vezes anos para chegar nas prateleiras de discos nacionais. Ainda bem que sempre tinha aquele amigo do amigo do amigo que conseguia um disco com um filho de cônsul ou de embaixador, de um piloto de qualquer companhia aérea  que fazia voos internacionais, e por aí vai.

Até hoje não sei como esse disco chegou nas mãos de um amigo de um dos meus irmãos, o mais roqueiro da turma, guitarrista de mão cheia. Quando ele chegou no edifício, carregando uns discos na mão, o que dava pra ver era aquela capa ominosa, com aquela bruxa verde meio desfocada – curiosidade e imaginação foram a trocentos mil na minha cabeça.

“Esse som aqui não é pra moleque, não! É coisa do diabo!” Era melhor ele não ter dito nada… Venci na insistência e logo a agulha já tocava o vinil. Chuva, trovões e badaladas de sino de igreja deixaram um sorriso largo na minha cara para, em seguida, arregalar os olhos e deixar o queixo cair com as três notas mais pesadas e arrastadas que eu jamais ouvira. Foi ali que vendi minha alma ao rock, jamais esquecerei. Eu não entendia nada de inglês, mas a voz do Ozzy só podia estar dizendo, mesmo, alguma coisa sobre o demo, certeza. Rock pauleira, como dizíamos, era o ápice ali, naquela música: guitarra, baixo, bateria, voz, solo caótico, o fim depois do fim. Eu achando que já tava bom demais, aí entra a gaita de “The Wizard”… Aí o jogo já tava ganho, de goleada, mas eu ainda teria muitas surpresas até o último acorde de “Warning” no lado B.

Não sei se todas as pessoas têm marcado em suas mentes o momento em que acontece algo que realmente muda sua vida para sempre. Eu tenho alguns, esse foi o primeiro e talvez o mais impactante. Nunca mais parei de escutar música, de todos os estilos, mas o rock e a semente do metal foi plantada naquele momento, com aquelas 3 notas que ressoam na minha cabeça até hoje.

Esse foi o começo, o primeiro capítulo verdadeiro, mesmo tendo um prelúdio recheado; muitos e muitos outros capítulos viriam, vieram e vêm depois desse, muito ainda está a ser revelado e escrito porque, por mais que o chavão “o rock morreu” venha sendo repetido há décadas, o rock ainda está tão vivo como sempre, gerando filhos, netos, bisnetos, bastardos e rebeldes, e assim será até o fim dos tempos, com muitas e muitas histórias a serem contadas.

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