Confira mais um texto escrito por um de nossos WikiBrothers:

Mesmo com um mercado totalmente não favorável à música pesada no Rio de Janeiro, ela ainda sobrevive no underground”

por Leonardo Correia

O Rio de Janeiro sempre teve um reconhecimento muito grande por seu lado musical. Além de revelar nomes como Roberto Carlos e Tim Maia, também é conhecido como a terra do Samba e da Bossa Nova. Justamente por esta riqueza cultural, a cidade se manteve um tanto atrasada no que se tratava de Rock e Heavy Metal durante um tempo. Enquanto São Paulo se destacava como a pioneira em apostar neste novo gênero (pelo trabalho da Woodstock Discos e futuramente a Baratos Afins), muitos donos de lojas do Rio tinham certo receio do gosto carioca não se adequar ao novo gênero. Porém não demorou muito para perceberem o “boom !” que a música pesada vinha causando um na indústria fonográfica. Assim determinados nichos de apreciadores começaram a surgir na cidade e consequentemente, as primeiras bandas.

Aumenta que isso é Rock n’ Roll!

Em torno de 1982 surgiu a primeira rádio do estado com sua programação voltada ao Rock. A rádio fluminense Maldita FM trazia nomes como Plebe Rude, Lobão, Legião Urbana e diversos outros que eram desconhecidos até então. Outro ponto forte eram os programas especialmente voltados ao Blues, Jazz e ao Heavy Metal. Resumindo, a Maldita pois um fim na necessidade de migrar para outros estados para comprar discos com este tipo de som. Com sua programação alternativa, a rádio deu o pontapé inicial no que se tratava de rádio de Rock na região.

Na mesma época também começavam a surgir os primeiros shows das bandas pioneiras da música pesada na cidade, destacando-se o Azul Limão, Calibre 38, Dorsal Atlântica e Metalmorphose. Porém o Heavy Metal ainda era algo pequeno e somado à falta de interesse de produtores e gravadoras, tornava-se bastante difícil a possibilidade de gravação. Até que em 1985, em resposta à aclamada coletânea SP Metal (lançada no ano anterior), foi lançado o primeiro registro do Heavy Metal carioca. Gravado pelas bandas Metalmorphose e Dorsal Atlântica e lançado de forma independente, o split Ultimatum.

Rock in Rio

A adesão desse novo gênero ficou cada vez mais clara com a realização do primeiro grande festival brasileiro voltado ao Rock e Metal, o Rock In Rio. O festival brindou todo o país com shows espetaculares de artistas que estavam em seu auge, dentre eles estavam o Iron Maiden, Queen, Scorpions, AC/DC e Whitesnake. Daí por diante o gênero não parou de se expandir, era o metal tomando força entre os headbangers cariocas!

Apesar do Rock in Rio, o Brasil ainda estava dando seus primeiros passos em relação à realização de shows com bandas do exterior, por esse motivo as bandas locais começaram a ganhar mais força. No Rio de Janeiro começaram a surgir as primeiras casas de shows voltadas à essa cena independente, como o Caverna 2 (Botafogo), Circo Voador (Lapa), Cascadura Tênis Clube (Cascadura), além dos locais cedidos pela prefeitura. Isto resultou em uma maior profissionalização das bandas locais e no lançamento de discos que passaram a definir não só a cena carioca mas também a de todo país.

Tríplice Metálica

Sem dúvidas, o ano de 1986 foi o mais importante no que se tratava da cena metal carioca nesta década. Isto por causa do lançamento de três petardos que marcaram uma década, que eram “Antes do Fim”, “Signo de Taurus” e “Vingança”.

Começando pelo Dorsal Atlântica, a banda executava um Thrash Metal rápido e feroz que beirava à primeira geração do Black Metal. Era explícita a influência de Venom, Hellhammer, dentre outras da geração. Em sua formação tínhamos Carlos “Vândalo” (Guitarra e Vocal), Cláudio “Cro-Magnon” (Baixo) e Hardcore (Bateria). O disco foi lançado pelo selo independente Lunário Perpétuo e é conhecido mundialmente como uma obra prima do Thrash Metal brasileiro.

O Taurus foi outra banda de Thrash Metal que marcou época. Suas músicas apresentavam uma técnica impressionante, acompanhada do peso e velocidade comum entre as bandas do gênero. A banda era formada por Sérgio Bezz (Bateria), Cláudio Bezz (Guitarra), Otávio Augusto (Vocal) e Jean (Baixo). O disco foi lançado pela Point Rock e é outro trabalho histórico.

O Azul Limão tendia mais para o Heavy Metal tradicional, porém não abriam mão da velocidade e do peso nas suas músicas repletas e riffs e refrões marcantes. Na formação tínhamos Vinícius Mathias (Baixo), Ricardo Martins (Bateria), Marcos Dantas (Guitarra) e Rodrigo Esteves (Vocal). O album foi lançado pela Heavy Discos e também teve uma ótima repercussão.

Com o passar dos anos, o Brasil também foi conquistando seu espaço nas turnês das bandas internacionais e consequentemente o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais passaram a ser os principais polos do país. A força das bandas nacionais foi provada com a turnê Brazillian Assault Tour do Venom, no qual o Dorsal Atlântica abriu o show do Rio e o Sepultura no de Belo Horizonte. Estas duas bandas se tornaram os principais pilares do metal nacional na época, conquistando o público estrangeiro.

Anos 90 e os novos caminhos

O início da década já apontava pela busca de novos horizontes. O Metal já tinha conseguido seu espaço e discos bem produzidos saíam à tona. Isso ficou mais evidente com a explosão do Grunge e do Rock Alternativo, que trouxe de volta o Rock mais experimental e radiofônico. Se para as grandes bandas da década passada já era uma período difícil e incerto, aqui no Brasil a realidade era ainda pior.

A grande verdade é que era extremamente difícil para as bandas nacionais conseguirem a fama no exterior ou até mesmo no próprio país. Isto se refletiu na pausa de muitas dessas bandas que viam a porta do estrelato se fechando, assim sendo o Dorsal Atlântica a única carioca à manter essa porta aberta.

Diante desse cenário, o Brasil desempenhou (na opinião deste autor) um dos períodos mais ricos de criatividade musical na sua história. Todo a ideal tropicalista da fusão de gêneros brasileiros com o que vinha do exterior teve seu retorno com força total. Isto nos revelou trabalhos icônicos de diversas regiões do país como Chaos A.D (Sepultura), Holy Land (Angra) e Da Lama ao Caos (Chico Science e Nação Zumbi), além de começar a nascer um forte cenário independente.

Mas e o Rio de Janeiro ? O Metal carioca chegou ao seu fim ? Como consequência do cenário pouco estruturado, as novas bandas de Rock e Metal começaram a se misturar e é impossível falar disso sem falar do Garage, a casa de shows mais importante da década.

Comandada por Fábio Costa, o Garage se localizava na Praça da Bandeira. A casa teve um papel fundamental em reunir o underground carioca e também trazer bandas de outros estados em uma época em que não se tinha muitas casas na cidade. Outro ponto peculiar era o cenário propício da Rua Ceará, localizada próxima à baixa meretriz e formada por motoclubes, oficinas e prédios decadentes. Esses elementos somados à cena alternativa da casa formou sua estética própria.

É impossível falar sobre todas as bandas que passaram pelo Garage mas vale ressaltar algumas que começaram na casa como Planet Hemp (Rap Rock), Gangrena Gasosa (Saravá Metal), Unmasked Brains (Thrash Metal), Hicsos (Thrash Metal), Cavalast (Thrash Metal), Piu Piu e sua Banda (Rock n’ Roll), Matanza (Hardcore) e muitas outras. Das bandas de fora do Rio de Janeiro já passaram Angra, Ratos de Porão, Volkana, e de fora do país as bandas Buzzcocks e Agnostic Front.

Todo esse espírito underground foi registrado na coletânea Garage Voices, que reuniu músicas de quatro bandas do underground carioca. Nesta coletânea estão presente as bandas Freaks?, Unmasked Brains, Scars Souls e Go Ahead!.

Uma época de incertezas

A chegada do novo milênio marcou um ressurgimento do Metal, porém também trouxe uma série de mudanças benéficas ou não. Com o surgimento da internet e a intensificação da globalização , os shows de bandas estrangeiras começaram a ser muito mais frequentes e as independentes passaram a ter que disputar por esse espaço de forma cada vez mais intensa. Com o declínio do Garage, muitas bandas diminuíram a frequência de shows realizados e focaram em sua divulgação pela internet. Ainda assim nesta época de incertezas surgiu uma leva de bandas no underground, mesmo que de forma sutil. Podemos citar algumas como Statik Majik (Stoner Metal), Apokalyptic Raids (Black/Thrash Metal), Atlantida (Progressive Metal), Unearthly (Black Metal), Scatha (Thrash Metal), Trinnity (Gothic Metal), Diva (Melodic Death Metal) e Coldblood (Black Metal).

Com o passar dos anos, o número de bandas cover também foi crescendo e isso dificultou bastante a divulgação de novas bandas. Outro ponto é que a maior parte destas bandas citadas não teve uma duração muito longa mas vale destacar que elas serviram de embrião para o surgimento de outras bandas.

Tempos atuais

Na concepção deste autor, hoje o underground carioca se encontra em sua melhor fase. Existem excelentes bandas de diversos gêneros lançando trabalhos com uma ótima produção. É obvio que a dificuldade ainda é enorme, justamente pelo grande número de casas de shows que não proporcionam devida estrutura e a falta de interesse das pessoas em descobrirem coisas novas ou se acomodarem apenas nas bandas antigas. Mas acredito que é uma mentalidade que vem mudando e que sem dúvidas essas bandas lutam para que seja mudada.

Hoje na cena carioca temos uma vasta coleção de bandas de diversas vertentes do Metal, porém vale citar algumas como Forkill (Thrash Metal), Melyra (Heavy Metal), Syren (Heavy Metal), Lacerated and Carbonized (Death Metal), Hatefulmurder (Death/Thrash Metal), Velho (Black Metal), Tamuya Thrash Trible (Death/Thrash Metal), Indiscipline (Heavy Metal), Deus Castiga (Grindcore), Blind Horse (Hard Rock), Handsaw (Technical Death Metal), além do retorno do Unmasked Brains e Metalmorphose. Em relação às principais casas de shows temos o Circo Voador (já citado), Planet Music (Cascadura), Lira de Ouro (Duque de Caxias), Calabouço (Vila Isabel), Teatro Odisseia (Lapa), Subúrbio Alternativo (Brás de Pina), Saloon 79 (Botafogo), dentre outras.

Por fim, podemos notar que mesmo com um mercado totalmente não favorável à música pesada no Rio de Janeiro, ela ainda sobrevive no underground. E certamente não é só este estado que isso acontece, afinal talvez este seja o motivo desse gênero ter se mantido e se renovado por tanto tempo. Não importa o quão ruim seja a situação, sempre que existir um público querendo presenciar um bom show, haverão bandas querendo tocar para um bom publico, pois como diz a canção da banda Cara de Porco: “Quem tá no Rock, é pra se foder!”.

Categorias: Opinião