Texto por Stephanie Souza

Admirável Chip Novo, álbum de estreia da Pitty, foi lançado no ano de 2003, e logo de cara, a artista já deixava claro que não se contentaria com rótulos e caixas onde tentassem a encaixar. Pitty é referência, não apenas para diversos artistas, mas também para o enorme público que, desde aquela época, se identificava com a agressividade no som e os temas abordados nas letras da baiana, sem imaginar que alguns desses assuntos viriam a ser importantes discussões anos depois como a problemática do culto à imagem, autoaceitação e feminismo. ACN ainda é um álbum extremamente atual e talvez por isso a apresentação não tenha nenhum tom de nostalgia: Pitty apresenta um espetáculo moderno, com novos arranjos, elementos contemporâneos, sem nenhuma intenção de te levar à 2003. 

O show, que aconteceu no dia 12 de abril, começou intercalando uma ligação entre Pitty e Rafael Ramos, produtor do álbum, com a intensa “Teto de Vidro”, seguida da canção que leva o nome do álbum, “Admirável Chip Novo”, e “Máscara”, seu primeiro single, grandes sucessos que captaram fãs que sonhavam com espaço e identificação e encontraram poder ao gritar “o importante é ser você, mesmo que seja estranho, seja você, mesmo que seja bizarro”. Em 2024, nada mudou: o público reafirma esses mesmos posicionamentos de forma pontual, ao euforicamente cantar e pular cada frase escrita pela cantora 20 anos atrás. 

Com uma breve intro e um público completamente cativado que batia palma de forma ritmada, os primeiros riffs de “Equalize” acalmaram os ânimos de forma romântica e bastante sensual, dando espaço pra diversos amigos e alguns casais apaixonados se abraçarem e compartilharem mais um dos diversos sentimentos que Pitty nos proporciona perpassar em suas 1h30 de show. Tudo é estrategicamente pensado pra que você mergulhe em um oceano de sensações: em “O Lobo, a artista toca guitarra e interage com sua banda de forma hipnotizante, “Emboscada” conta com um espetáculo de luz que a segue pelo palco, em “Do Mesmo Lado”, Pitty performa atrás de um tecido branco esvoaçante, incrível de se ver, em “Temporal”, mais um jogo de luzes de se arrepiar, enquanto ela se posiciona no centro de tudo. Uma direção impecável, aliás, feita pela própria cantora! 

Um show dividido em três atos, Pitty acabou o primeiro deles com “Semana Que Vem” e um discurso sobre encerrar ciclos para abrir novos caminhos, e também deixou claro que algumas das canções do ACN não serão mais tocadas ao vivo. O segundo ato se iniciou com canções do “Espelhos”, álbum de covers da cantora, que conta com regravações que vão desde Bad Brains e Devotos à B-52s e Beatles.

O público mais fã continuou dançando e cantando bastante mas parte da casa amornava, talvez pelo calor, talvez por não conhecerem as músicas. Destaque fica pra “Sailin’ On”, cover de Bad Brains, em que Pitty arriscou (e acertou!) vocais mais rasgados ao som do punk rock eletrizante da música de 1982. No terceiro ato, passeando por seus outros álbuns, tivemos “Memórias” e a confecção de uma grande roda punk, enquanto diversos participantes vibravam ao som do baixo alucinante de Kishimoto (baixista). “Na Sua Estante” e “Me Adora” deram fim ao espetáculo atualizado de uma das maiores artistas vivas do país. Não é necessário dizer que o público estava totalmente entregue, deixo a história cristalizada dessas duas canções falarem por mim.

Pitty consegue compor um setlist apenas de clássicos, músicas que marcaram gerações e continuam conquistando fãs que, assim como a cantora, se recusam a concordar com o status quo. Ela escancara do mais simples ao mais complexo dos sentimentos, nos deixa completamente despidos do que (achamos) que somos (e não somos). Uma cantora de altíssima sensibilidade, artista completa que se permite explorar o universo de forma poética através de sua música e suas apresentações, que obviamente merece o posto que conquistou ao apresentar um trabalho consistente durante todos esses anos. ACN viverá para sempre, pois tem o privilégio de não apenas ter marcado uma geração, mas de ter se atualizado com ela.

Nosso colaborador Thiago Vidal também esteve no show e registrou o momento. Confira a galeria de fotos logo abaixo.

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