Traduzido e editado por Carlo Antico
Entrevista originalmente publicada na Roadie Crew

O baterista do Deep Purple Ian Paice, que iniciou a carreira profissional tocando na banda de seu pai, se tornou uma referência do instrumento por suas performances não só com o Deep Purple, como com Whitesnake, Paice, Aston & Lord e Gary Moore, afora participações como convidado para Ken Hensley, Pretty Maids, Keith Emerson, Paul McCartney, George Harrison, Jim Capaldi, Peter York, Bernie Marsden e outros. Porém, desde abril de 1984, quando houve o retorno da MKII (Blackmore-Lord-Paice-Gillan-Glover), Paice permanece como único integrante original do Purple, que, desde 2022, conta com Ian Gillan (vocal), Roger Glover (baixo), Steve Morse (guitarra) e Don Airey (teclado).

Promovendo Whoosh, o 21º disco de estúdio da banda, Paice falou com a ROADIE CREW sobre alguns detalhes da obra e a parceria com o produtor Bob Ezrin.

Roadie Crew: Whoosh! é um título bem diferente para um álbum. Por favor, conte-nos mais sobre a ideia e o conceito dele, bem como o significado.

Ian Paice: Woosh! é uma ideia que Ian Gillan teve e as letras falam sobre muitas das coisas que estamos fazendo errado em nossa civilização. Estamos aqui nesse lindo globo que é o planeta e “woosh”, de repente, não estaremos mais. Se conseguirmos ficar 10% da quantidade de tempo que os dinossauros conseguiram, já está bom demais. Logo, a letra reflete o que ele vê ao seu redor no momento. Vem fazendo isso há anos, letras com comentários sociais. “Child In Time” é uma letra desse estilo. Ele aponta as coisas sem dizer o que se deve fazer, apenas que devemos ficar atentos. Acho que são muito pertinentes.  

RC: Como você descreveria Whoosh! musicalmente? Existem novos elementos?

IP: Não há novos elementos na música ocidental. Tudo o que fazemos já foi feito antes. Os artistas só fazem de outra forma e essa é a genialidade da imaginação humana. Pode pegar tijolos iguais e construir algo com outro formato. Então, tentamos explorar as possibilidades desse gênero limitado que temos, já que há um número limitado de notas e acordes, e encontrar novas formas de fazer as coisas antigas. Em algumas das músicas acho que conseguimos muito bem e, quando isso não era o certo a se fazer, recorremos ao que já fizemos. Usamos o que quer que funcione para aquela música em questão.  

RC: Quais são suas músicas favoritas em Whoosh!?

IP: Eu ouço um novo álbum quase como qualquer outra pessoa que o compre e ouça pela primeira vez. É claro que sou suspeito e sempre vou escolher as músicas em que acho que fiz um bom trabalho. “Throw My Bones” e “Man Alive” são muito interessantes. “No Need To Shout” é mais uma jam de rock and roll bem óbvia, mas adoro como ela surgiu. Roger [Glover, baixista] apareceu com um riff simples de baixo de manhã, que não conseguia tirar da cabeça, e, no fim do dia, a música estava pronta. Um daqueles momentos em que se consegue algo do nada. Gosto muito dessas três. Deve buscar nunca se repetir, então se consegue criar algo diferente que sente que não fez antes, isso é interessante. E mantém a mente ocupada também.

RC: Pela terceira vez, vocês se uniram ao produtor Bob Ezrin. Qual é o papel dele na dinâmica da banda?

IP: Toda vez que se larga um monte de músicos em um estúdio, todos ficam espalhados, fazendo o que querem e não exatamente o que deve ser feito. É como um exército sem um general. Alguém tem que organizar as coisas: faremos isso, começamos a essa hora. E quando se está no processo de gravar as primeiras bases para uma música, pode ser que você tenha algo que soou maravilhoso no ensaio, mas Bob está na sala de controle ouvindo o todo, claramente. E se ele percebe algo que não está funcionando, ou que soa um pouco errado ou que a intensidade se perdeu, ele nos diz, de uma forma muito musical. Explica porque para ele, não está certo. Nem sempre concordamos, mas nove em dez vezes tem razão, então ouvimos. Tem o histórico e o conhecimento musical e se você não vai ouvir o que ele tem a dizer, não o tenha no estúdio. É tudo rápido e espontâneo e quando isso acontece, normalmente se tem um bom álbum, quando não se precisa sofrer por uma música. Bob não te deixa fazer isso. 3, 4, talvez 5 takes e é isso. Se quer mais um, Bob não deixa porque já tem tudo que precisa. E aí te faz seguir em frente. Se não for assim, corre o risco de passar duas ou três horas e não chegar a lugar nenhum. 

RC: Vocês trabalham e tocam juntos há muitos anos. Existe certa rotina na gravação de um álbum ou é um novo desafio a cada vez? Como consegue se manter inspirado?

IP: É sempre divertido saber que vai criar músicas novas. Especialmente se tem ideias pelas quais possui um carinho especial. Fora isso, nada muda muito. É no palco que está a diversão. É onde não há limites para o que pode fazer. Pode tocar mais, tocar menos, mexer no tempo como for melhor para você. No estúdio é bem mais constrito, de uma forma que para gravar outras formas de música não é. Na música clássica, a fluidez do tempo depende do maestro, se é rápido, lento, alto, baixo. Jazz é a mesma coisa. O que importa é o virtuosismo e não a perfeição detalhada. Rock hoje em dia segue um tempo mecânico. 99% das músicas é gravada com metrônomo, porque somos todos programados para ouvir música com o tempo perfeito, perfeito mesmo. E isso limita. Acha-se uma forma que funcione, mas é diferente. E por muito tempo foi difícil para mim, porque tratava o metrônomo como um inimigo. Não gostava mesmo. Ainda não morro de amores, mas agora o vejo como um amigo casual. E também, deve perceber que se tem algo que te orgulha e te faz feliz, não importa se durante aqueles cinco minutos, o tempo não estava perfeito. O que importa é que funcione na hora em que sair das caixas de som. 

RC: Já faz mais de um ano que vocês começaram a compor e gravar Whoosh!. Olhando para o processo, qual foi a parte mais fácil e qual foi a mais difícil?

IP: Bem, para início de conversa, nunca é fácil. Tenta criar algo do nada. Os primeiros dias vão devagar, só há aquelas ideias básicas. Quase nunca alguém aparece com uma música completa. Acontece vez ou outra, mas em geral não. Alguém toca alguma coisa que atiça a imaginação dos outros e isso se transforma em algo que pode vir a ser uma música. Nunca é fácil, mas depois de uns dois dias, você entrar numa rotina e solta sua imaginação. Vendo por esse lado, não foi diferente de nenhum outro álbum. A questão é que quanto mais discos grava e músicas compõe o problema é não se repetir. 

RC: O ano passado marcou o 50º aniversário da banda. Você sentiu alguma pressão gravando e escrevendo seu novo álbum?

IP: Posso dizer com 99% de certeza que nenhum de nós sequer pensou no 50º aniversário. Foram outras pessoas que nos falaram sobre isso. Não pensamos assim. Acho que muitas pessoas gostariam que pensássemos, para estabelecer uma conexão, mas não. É só mais um dia, mais um ano, outro número. Não é importante. 

RC: A mídia e os fãs estão especulando que Whoosh! possa ser o último álbum.

IP: O [álbum anterior] Infinite poderia ter sido último. Esse tem grandes chances de ser e uma mínima de não ser. Só que temos um ano sem nada para fazer, nosso próximo show é em julho de 2021. Se alguém sugerir ir a um estúdio para compormos novas músicas, não vou me surpreender. Ninguém ainda se manifestou, mas doze meses é um longo tempo para ficar sem fazer nada. E daria para fazer algo assim. Logo, quem sabe? Olha, não consigo imaginar nenhum de nós fazendo nada por um ano. Algo pode acontecer.   

RC: Farão uma turnê para divulgá-lo?

IP: Bem, está tudo acertado para o ano que vem. 95% do que tínhamos marcado para esse ano, já está remarcado, ainda bem. E, como de costume, tentaremos tocar duas ou três músicas do novo álbum no show. É sempre difícil colocar o maior número possível de músicas novas porque temos um catálogo glorioso, todas essas composições que as pessoas pagaram o ingresso para ouvir. Se cercar as novas com as mais famosas, dá para fazer. Mas não dá para atirar seis ou sete músicas novas no público, ele não está lá para ver isso. É uma questão de equilíbrio, nunca é fácil e tem que focar naquelas que acha que vão funcionar ao vivo. 

RC: Desenvolveu novos hobbies ou interesses enquanto estava em isolamento? Começou a trabalhar em novos projetos?

IP: Quando se tem esse tanto de tempo livre, tem que achar alguma coisa para fazer com isso. Eu talvez nem pensasse nisso, mas meu sobrinho mais novo, como a maioria dos garotos da geração dele, é muito ligado em coisas online, tipo YouTube. Foi ele que me disse que com a quantidade de histórias que tenho, deveria começar um canal nessa plataforma. De início aceitei mais para ver como seria e agora já está funcionando há quatro semanas e parece que as pessoas gostam de tudo que fazemos. Mas isso demanda muito tempo. Então, sim, acabei achando algo para fazer que não teria feito, se fosse um ano normal. Muito disso é divertido, mas é um trabalho duro. Vou continuar com certeza até o fim do ano, porque talvez faça apenas alguns shows em clubes pequenos com alguns amigos, só para entrar no ritmo de novo. Tocar no estúdio é bom, mas você não toca da mesma forma, como na frente das pessoas, quando tem que fazer tudo certo.   

RC: Pratica em casa mesmo quando não está em turnê?

IP: Não da mesma forma que a maioria dos músicos considera praticar. Não pratico os fundamentos do que faço. O que acontece é ir ao estúdio e testar alguma ideia que me interesse. Ou alguma coisa que fiz no passado e quero fazer de novo, mas não tenho ideia do que seja. Se há algo que fiz há três décadas e não lembro como era e talvez queira usar de novo de uma maneira diferente. Mas é isso. 90% do que faço é dom natural, eu simplesmente faço. Os outros 10, são coisas que aprendi ou copiei de outras pessoas e tentei transformar em minhas. Então, praticar, para mim, a não ser que seja uns dois dias antes de iniciar uma turnê, não tem utilidade, perco o interesse, por isso não posso competir com esses bateristas jovens e técnicos. 

RC: O que tocar no palco diante de várias gerações significa para você?

IP: Isso já acontece há bastante tempo. A coisa mais incrível sobre isso é que dá para ver as diferentes gerações. Nas primeiras filas os mais jovens que querem chegar o mais perto possível e depois os de 25, 35, assim por diante. Mas quando se faz algo para um público, a reação dele, seja um riso, um aplauso, ou um grito é a mesma. A diferença de gerações não significa nada. A emoção daquele momento é para todos eles. É igual a um gol em um jogo de futebol. A reação do garoto de cinco anos é igual a do pai e do avô. É a mesma coisa. A garotada sempre será afetada pela música de sua geração, porque são bombardeados com isso. Mas, quando ficam mais velhos, começam a conhecer a coleção de discos do irmão mais velho, ou do pai e percebem que existem outras coisas.   

RC: Conversando sobre gerações: Existe algum conselho que gostaria de dar aos mais jovens?

IP: Não tenha uma visão muito estreita. Não veja o mundo assim. Só isso. E não só socialmente, mas para arte também. 

RC: Se fosse para o espaço em um foguete, o que levaria a bordo?

IP: O máximo de barris de chopp que coubessem! (risos) e as torneiras para tirar, garrafas de Jack Daniel’s e minha família. Seria isso. Morreríamos de fome, mas felizes! (mais risos)  

RC: Se encontrasse vida alienígena em um planeta desconhecido, que álbum ou música do Deep Purple você tocaria para eles?

IP: Não sei mesmo. Qualquer uma pode ser encarada como um insulto e eles podem atirar em você!