Black Sabbath e Judas Priest estão entre as bandas mais reconhecidas do metal mundial. Enquanto a primeira é considerada responsável pelo primeiro álbum de heavy metal da história, a segunda foi pioneira em abraçar o gênero musical como um estilo de vida de toda uma comunidade. E se esses gigantes formassem uma banda só?

A banda que se propõe a responder essa pergunta na prática é brasileira. Formado em 2018, o Black Priest é a evolução da banda de covers Crianças da Tumba, formada por GG Neto e Júlio Xavier, dois amigos apaixonados por música que decidiram tentar um projeto musical mais uma vez, paralelamente aos empregos formais. 

O repertório foi dominado por essas fontes com o passar do tempo e a banda decidiu mudar de nome, mas ainda seguiram com as apresentações covers no primeiro ano, mas a pandemia mudou os rumos do grupo. Com o vocalista Vinicius Libânia já integrado, o grupo começou a trabalhar em composições próprias. O line-up é completo por Raphael Ribeiro e Phil Drigues.

A influência quase religiosa de Sabbath e Judas flui nas veias do EP de estreia do Black Priest, lançado em 28 de dezembro – e com um equilíbrio tão perfeito quanto o nome da banda sugere, expandindo os horizontes para mostrar também o próprio rosto em The Soul Scar, um projeto visceral de cinco faixas construído a partir da vivência dos integrantes ao lidar com questões de saúde mental e ter a música como maior refúgio.

“Conforme fomos nos conhecendo, percebemos que todos tínhamos em comum uma experiência extensa com sofrimento psíquico, com todos passando por tratamento médico por isso”, explicou Libânia ao Wikimetal. Cientes do número de pessoas que sofrem com quadros de ansiedade, depressão e síndrome do pânico, até mesmo dentro do próprio círculo de convivência, a banda decidiu mergulhar na temática com um olhar profundo no EP.

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Sinos distantes abrem o trabalho em uma alusão à primeira faixa de Black Sabbath (1970), seguidos por acordes melancólicos e gentis que ditam o tom da atmosfera sombria e densa do EP até o fim. Os primeiros segundos da faixa, porém, não podem preparar o ouvinte para a explosão de peso que guia os quase sete minutos de “Dying Again”, com toda a experiência da banda se manifestando na coesão de cada segmento da música, dona de um refrão hipnótico que narra a sensação de mortes repetidas nos ciclos desesperadores de quem experiencia ataques de pânico e a sensação de perder o controle. 

Existem ainda outros ingredientes borbulhando no caldeirão do Black Priest, como “Truth and Obsession” logo deixa evidente com suas influências de gêneros mais extremos de metal nos vocais agressivos e os cânticos em latim, mostrando assim a versatilidade dos vocais, que passam de sussurros a agudos até a sujeira agressiva tão conhecida do metal ao longo das músicas. O medo de viver outro ataque paralisante é narrado com força e intensidade na segunda música do projeto.

A trilogia inicial do EP termina com a “The Scar Curse”, a última faixa a abordar os diferentes momentos dos ataques de pânico: a experiência, o medo de novos episódios e, finalmente, a compreensão. “É hora de respirar / O que enfraquece sua vida deve ser barrado / Levante-se e seja livre / Este é o caminho que suas cicatrizes o convidam a trilhar”, diz a letra. Com um breakdown explosivo, a faixa segue o ótimo trabalho nos solos alucinantes e harmonias poderosas. 

Black Priest
Black Priest. Crédito: Divulgação

“Acho que o metal é fundamental para abordar esse tipo de tema, porque é um dos poucos estilos que permitem falar com clareza, e bastante riqueza de detalhe, de assuntos que outros estilos sequer passam perto. Quantas bandas abordam em suas letras temáticas voltadas pros aspectos mais obscuros da condição humana, criando ambientes musicais correspondentes a esses aspectos? É dessa abordagem que a gente se vale para expressar nossa verdade, através de uma catarse musical”, continua Libânia sobre a importância de compartilhar as vivências do grupo.

O flerte com death metal retorna nas primeiras palavras de “Cult of Sins”, primeira composição autoral da banda, com mais uma melodia e refrão marcantes. Além das referências evidentes, se torna impossível não lembrar também de Alice in Chains pela atmosfera hipnótica em tons de vermelho e preto. 

Por fim, “The Rebellion” fecha The Soul Scar em um ciclo bem finalizado. Sombria, constante e forte, a faixa parece uma das mais adequadas para imaginar como seria, enfim, aquela união entre Black Sabbath e Judas Priest, mas não só isso: a música mostra a marca do Black Priest como bons discípulos, capazes de seguir o próprio trajeto após as preciosas lições dos mestres, ecoando as vozes dos gigantes do metal sem abandonar a própria. 

“Nossos ídolos, as bandas e artistas que seguimos, são pessoas que estão conosco nos nossos momentos mais intensos, bons ou ruins. Dio, Bruce Dickinson, James Hetfield, Ozzy Osbourne, esses caras estão com a gente, eles fazem parte da nossa rotina, da nossa vida. Eles estão conosco quando festejamos, mas também quando estamos tentando lidar com algo ruim no momento, procurando uma saída”, finaliza o vocalista. 

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