TOGETHER WE STAND, DIVIDED WE FALL”

Por Nando Machado

Minha vida sempre foi cercada por muita música. Desde que eu era pequeno, meus pais ouviam muita música de qualidade em casa, Caetano Veloso, Tom Jobim, Elis Regina, Chico Buarque, Gilberto Gil e Beatles… Os Beatles, aliás, sempre foram os meus preferidos, lembro do meu pai colocando o vinil do Abbey Road para tocar na sala de casa, até hoje adoro esse disco, talvez um dos melhores discos já gravados em todos os tempos. Lembro da minha mãe chorando na sala da TV, assistindo ao Jornal Hoje, quando disseram que um tal John Lennon tinha morrido, era o mesmo cara que estava na capa daquele disco beijando uma mulher na boca, uma foto em preto e branco, Just Like Starting Over. Eu tinha apenas sete anos quando descobri que existia, sim, maldade no mundo.

Foi aí que comecei a ouvir cada vez mais os Beatles. Quando ia para Recife, visitar meu primo Pedro, ficávamos ouvindo Beatles escondidos a noite inteira no quarto dele, eu, meu irmão e meu primo, todos mais velhos que eu, até cair no sono. Bons tempos.

Eu sempre fui o mais novo da turma do prédio. Uns moleques do 8º andar estavam sempre em casa, de repente eles começaram a trazer uns discos pra gente ouvir que tinham pegado emprestado na discoteca da escola deles (que sistema legal, eles podiam pegar discos emprestados e devolver dias depois…).

Queen, Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Kiss, Kiss e mais Kiss. Afinal, o Kiss estava vindo ao Brasil e, depois do Queen e do Van Halen, (shows que eu era muito novo para assistir, infelizmente), finalmente em 1983 eu ia ver um show do Kiss. Já tinha 9 anos e esse seria o maior show do mundo! Minha mãe ia me levar junto com meu irmão e os caras do 8º andar, ia ser demais. Aí comecei a ouvir Kiss sem parar, levava recortes da banda para a escola, aquelas crianças da segunda série não entendiam nada, diziam que eles matavam pintinhos no palco – por isso tinham aquelas botas pontudas.

Mas só ouvir o Kiss não bastava. O nosso amigo Cássio tinha um grupo que dublava o Kiss, o Kiss Army, e me convidou para ‘ser’ o baterista Peter Criss. Eu era o Peter, o Cássio era o Paul, o Marquinhos era o Gene e o Eduardo Simões era o Ace. Logo depois, foi substituído pelo Andre, nosso vizinho de prédio e um cara com o visual mais apropriado. Em 1984, fomos nos apresentar na TV, no programa do Wandeco Pipoca. Só para se ter uma ideia, nessa época os palhaços Atchim e Espirro ainda eram coadjuvantes. Foi muito divertido passar o dia na TV Gazeta esperando pela nossa vez, e finalmente gravamos uma dublagem de Love ‘Em and Leave’Em: tínhamos que copiar igualzinho aos vídeos que assistíamos no Som Pop e no Super Special, programas musicais que exibiam vídeos muito antes do nascimento da MTV.

Nessa época minha mãe tinha comprado um vídeocassete Sharp com controle remoto (com fio), era demais, o suprasumo da tecnologia em casa. Assim, começamos a gravar vídeos de rock dos programas da TV, Super Special, Som Pop, Fábrica do Som e, um pouco depois, Realce, Clip Trip, etc. A imagem era muito ruim, mas a gente assistia milhões de vezes mesmo assim.

Foi nessa época que comecei a frequentar a Woodstock discos, ainda na galeria da José Bonifácio. Ia lá quase todo sábado com os meninos do 8º andar. Muitas vezes, íamos a pé para economizar o dinheiro do ônibus, quem sabe dava para comprar algum disco ou fita K7 com as economias. Como era legal ter amigos mais velhos, eu tinha de 9 pra 10 anos e os meus amigos já tinham 12, 13, 14, era demais andar com aquela turma. Todo mundo cabeludo, com camiseta de banda de rock, jaqueta de couro (mesmo no calor).

Comprávamos braceletes no centro, tínhamos que fugir dos punks. Dava medo, mas era sensacional. Nos fins de semana meu pai nos levava num cinema na Av. Faria Lima, dentro de um shopping chamado Call Center: era o Rock Show. Que delícia entrar numa salinha cheia de mofo para ver uns vídeos com péssima imagem e som (mas pelo menos o volume era alto)! Ficávamos lá cantando como se estivéssemos nos shows do Iron Maiden, Deep Purple, Black Sabbath, Motorhead. Speak of the Devil, do Ozzy Osbourne, e The Song Remains the Same, do Led Zeppelin, foram filmes que eu vi no Carbono 14. Como sempre, eu era o menor. Só tinha cara cabeludo, mal-encarado… mas eu achava o máximo.

E o show do Kiss? Acabei sendo barrado na entrada, a censura era 14 anos. Minha mãe me levou embora, junto com meu irmão, que não me perdoa até hoje. Mas os caras do 8º andar acabaram ficando lá no Morumbi. Minha mãe ligou para a mãe deles pelo orelhão para perguntar se podiam ficar lá sozinhos e a mãe deles deixou, afinal eles já tinham 14 e 15 anos. Ou seja, já eram ‘grandes’.

Nessa época, a turma se reunia em casa o tempo todo (o tempo todo mesmo!) para ficar vendo os vídeos que a gente comprava na galeria ou gravava da TV: Ozzy, Dio, Black Sabbath, Kiss, Judas Priest, Iron Maiden. As melhores bandas do mundo dentro da nossa casa, era demais (não sei como a minha mãe aguentava). A nossa turma tinha um nome, se chamava Devil Rats. Como a gente era Metal, queríamos começar a tocar instrumentos e a formar bandas dentro da turma. Os caras do 8º compraram uns instrumentos numa feira de trocas no Bixiga (nessa época os mercados de pulga eram chamados assim). Nossa! Uma guitarra, de verdade! Em casa tinha um violão, mas uma guitarra de verdade era demais. Decidi que ia tocar baixo, meu irmão começou a tocar guitarra. E assim fomos ter aulas no Grupo Ama. Até que começou a rolar um som de verdade, meu irmão formou uma banda com os caras do prédio, eu era muito novo e eles não queriam ter uma banda com um moleque de 10 anos. Foi aí que começou o Viper, (o resto da história vocês já conhecem).

Enquanto os meus colegas ouviam música pop, a gente ouvia Heavy Metal; enquanto eles assistiam aos desenho do Pinóquio eu assistia ‘Mad Max’.”

Então fui formar a minha própria banda com os meus próprios amigos. Primeiro foi o Abismo Negro, que tocou no festival de talentos do meu colégio, Breaking the Law e Paranoid, ficou bem legal! Depois formei o Ravish que mais tarde virou Darkness com o Marquinhos (o Kleine), era só baixo e guitarra, mas ensaiávamos todos os dias, ligávamos os instrumentos no som e fingíamos que estávamos num show, era muito legal. Em vez de brincar de Falcon, eu brincava de Steve Harris. Foi uma época mágica.

Aí chegou a época de começar a ir aos shows: Chave do Sol no Lira Paulistana foi o primeiro show que eu vi, depois vieram os shows do Celso Barbieri no Lira, Metal Rock e Cia, Praça do Rock, Radar Tantan, Ácido Plástico, etc. Eram muitas bandas legais, era a época do SP Metal, Centúrias e Vírus eram as minhas preferidas. Depois veio o SP Metal 2, com Korzus, Santuário, etc. Dorsal Atlântica, Sepultura, Overdose, Attomica, Azul Limão, Taurus, Salário Mínimo, Platina, era muita banda boa nessa época!

Em 85, os caras do Viper já começaram a fazer shows e a gente tinha que arrumar outros músicos para a nossa banda. Kiko na bateria e Diego no vocal, depois substituído pelo Vartan. Era 86, e o Darkness começou a fazer shows também, principalmente em festivais de colégios. O Viper já começava a fazer sucesso de verdade, os shows estavam sempre lotados e aos domingos eles iam para uma rádio de Santo André participar da Sessão Rockambole com um tal de Beto Peninha. A gente ficava ouvindo e gravando no rádio, na casa do Téti ou do Espiga, torcendo para eles não serem assassinados pelos skinheads no trem que pegavam para chegar em Santo André.

Tudo isso era muito divertido. Não existia internet, nem iPad, nem iPod. Quando a gente comprava ou ganhava um disco era a melhor coisa do mundo. Ouvia até gastar durante meses, ficava ouvindo e olhando para aquelas capas, Piece of Mind, Dressed to Kill, Fair Warning (engraçado como continuo ouvindo os mesmos discos até hoje, e como são bons!). Gravava fitas K7 dos discos importados dos amigos que tinham mais grana ou que tinham viajado para os EUA com os pais. A gente ia na galeria para ver reportagens de revistas japonesas, nessa época a gente comprava fitas K7 com shows ao vivo, fitas VHS com shows de bandas que nunca seriam lançadas ou viriam ao Brasil.

No fim de semana íamos aos shows, fosse para tocar ou para assistir, ou simplesmente para ficar conversando do lado de fora mesmo. Não era sempre que a gente tinha grana para entrar. Rainbow Bar, Black Jack, Teatro Mambembe, Clube dos Aeroviários. Depois chegou a vez dos lugares mais profissionais, Dama Xoc, Aeroanta, Projeto SP, as coisas estavam evoluindo e eu já tinha uma banda que tocava nesses lugares. O Exhort era uma boa banda, apesar de sempre ter nos faltado um bom vocalista e os bateristas mudavam toda hora. Mas a banda tinha um núcleo legal, eu, o Marquinhos e o Vartan, éramos bons músicos, quando a gente tocava covers ficava igualzinho, pelo menos para os padrões da época. Todo mundo falava, “olha aquela banda que tem um moleque de 13 anos no baixo, até que ele toca bem”, putz, eu me sentia realizado.

Acho que lá por 86 eu descobri o Metallica. Meu irmão gravou uma fita sei lá de quem com o disco Ride The Lightning. Era demais, tinha uma música que começava com uma introduçãozinha lenta e depois explodia, era uma porrada, diferente de tudo que tinha ouvido até então. Aí o Thrash entrou na minha vida e as coisas nunca mais foram as mesmas.

Na escola eu me sentia o melhor, meus amigos eram bem mais velhos. Enquanto os meus colegas ouviam música pop, a gente ouvia Heavy Metal; enquanto eles assistiam aos desenho do Pinóquio eu assistia Mad Max. Meus amigos eram cabeludos, usavam roupas rasgadas, jaquetas de couro, camisetas de banda, patches do Kiss, do Iron, do Slayer, do Motorhead. A gente era Headbanger: quando chegava nos shows, eu ia direto para a primeira fila balançar a cabeça.

Era demais, ninguém queria saber se você era rico ou pobre, éramos todos amigos de verdade, de infância, de adolescência, e ainda somos amigos depois de adultos. Impressionante como mantenho tantos amigos dessa época, 99% desses caras são meus amigos/irmãos de verdade (um deles é até irmão mesmo, haha) e tenho muito orgulho de ter vivido tudo isso com eles.

O Metal realmente enobrece o homem, só quem passou por tudo isso vai entender o que eu estou dizendo. As amizades verdadeiras, as histórias, tudo isso que nos faz sermos quem somos hoje, quando passamos de garotos para homens, de crianças para adultos. O Rock e o Heavy Metal sempre estiveram presentes na minha vida e sempre vão estar. Este sou eu, a ideia de que nada vai nos destruir, de que somos mais fortes do que tudo, somos justos, somos guerreiros. Pode ser por meio de uma letra boba do Manowar ou de uma analogia à guerra feita pelo Iron Maiden, a gente entende tudo isso.

Together We Stand, Divided We Fall, somos unidos, somos fortes, somos Metal. Que outro estilo te dá essa possibilidade? De ser alguma coisa? Você já ouviu alguém dizendo Eu Sou Dance, ou Eu Sou Samba ou eu Sou Reggae? Não. Mas quem gosta de Metal É Metal, e não importa o que os outros vão dizer. Se os seus pais te mandam cortar o cabelo, se as pessoas te olham estranho na rua, se você é discriminado pelos seus professores ou chefes no trabalho, se seu vizinho pede para abaixar o som, quem se importa? O que importa é que somos Metal, é que vamos nos juntar com os nossos melhores amigos para discutir quem é melhor, Bruce Dickinson ou Dio? Iron Maiden ou Metallica? Yngwie Malmsteen ou Ritchie Blackmore? Charlie Benante ou Dave Lombardo? Isso é SER Metal e é isso que realmente importa!

Categorias: Opinião

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