Hoje eu ouço música em carros ou aviões. Há 20 anos eu sentava na frente de um stereo e ouvia música. Acho que isso aconteceu por causa de Steve Jobs.”
Wikimetal (Rafael Masini): Um disco que eu gosto muito, “Master”, completou 25 anos. Lars, o que você acha desse disco?
Lars Ulrich: Obviamente foi um grande álbum pra nós, eu amo as músicas que estão neles, são ótimas. Ele flui bem, acho que o que quer que nós estivemos fazendo na época, estava funcionando. Tem sido muito divertido, cinco anos atrás nós tocamos o “Master of Puppets”, na íntegra, por toda a Europa. Inteiro, do começo ao fim, o que foi muito divertido. Ele envelheceu bem e estou orgulhoso disso. Todo álbum é uma cápsula do tempo. Quando eu penso no “Master of Puppets” eu lembro de Copenhagen em 1985, muito escuro e muito frio, estávamos hospedados no hotel chamado S.A.S hotel, Clifford estava lá, Flemming Rasmussen também. Estávamos tomando muita cerveja dinamarquesa, gravando, fazendo esse disco. Nos divertimos bastante, foi um tempo muito louco. A coisa que eu mais recordo desses álbuns mais velhos é o sentimento de que quando se é mais novo as coisas são mais instintivas, você nunca se questiona sobre o que está fazendo. A coisa mais difícil quando se está envelhecendo e ficando melhor no que se faz é que você começa a perceber coisas diferentes. A coisa que eu mais penso sobre esses álbuns velhos é “hoje James Hatfield vai tocar um riff ou alguma parte boa, podemos tocar rápido, podemos tocar devagar, podemos inventar, fazer mais lento, isso ou aquilo”. Há muitas opções, porque somos muito bons no que fazemos e podemos levar a qualquer lugar. Quando eu lembro de 1985, nós só fazíamos de um jeito, eu penso como deve ser saber apenas um jeito. Por que hoje eu sei muitos jeitos e isso me fascina. Como é quando você tem 25 anos e você não pensa, você simplesmente faz. Por que que quando você tem 45 você pensa? Por que vem daqui de cima quando você é mais velho? E por que que quando você é mais novo vem daqui? Que raios é isso? Eu não sei. Penso muito nisso.
W (Daniel Dystyler): E Lars, e sobre música? O que você tem ouvido ultimamente?
LU: Eu ouço Red Hot chilli Peppers. Eu tenho ouvido o álbum do Lou Reed nas últimas semanas. Muitos sons diferentes comparados aos de 10 ou 20 anos atrás. Hoje eu ouço música principalmente quando estou me locomovendo. 20 anos atrás eu ouvia música principalmente quando estava sentado. É interessante como isso muda, hoje eu ouço música em carros ou aviões. Há 20 anos eu sentava na frente de um stereo e ouvia música. Acho que isso aconteceu por causa de Steve Jobs. Eu tenho 10 desses, muitos Ipods e muitos computadores na minha casa que são todos feitos pelo Steve Jobs. O que aconteceu, a maior diferença, é que há 20 anos, quando eu vim para o Brasil em 1989 pela primeira vez, a maior parte das músicas que eu trazia era nova no momento. Então em 1989 eu trouxe músicas dos últimos 6 meses quando eu vim para o Brasil. Agora quando eu vou ao Brasil eu tenho música dos últimos 40, 50 anos. Então a diferença é que, porque você pode carregar tantas músicas o tempo todo, eu passo menos tempo ouvindo música noda e mais tempo ouvindo todas as músicas, quando há 20 anos eu ouviria músicas antigas em casa e carregaria músicas novas comigo. Mas agora eu ouço músicas antigas o tanto quanto novas, ou até mais. Então eu diria que a maior diferença é que eu sou menos aventureiro do que 20 anos atrás, já que eu passo mais tempo ouvindo músicas que eu já conheço.
W (RM): Lars, o que você achou de ter participado do Rock in Rio?
LU: Eu sei que vocês ouvem isso de todos que vão aí, então não quero ficar repetindo o que todo mundo diz, embora seja difícil. O público brasileiro é muito especial. Nós não tocamos no Rio desde 1999 e tocamos dois shows em São Paulo e um em Porto Alegre ano passado. E eles são muito especiais.
W (DD): E agora a gente queria saber, Lars, quais são suas lembranças do Brasil? Você já veio algumas vezes aqui pro Brasil, o que você se lembra daqui?
LU: Acho que me lembro mais das pessoas, como todos te aceitam e te fazem se sentir bem-vindo. Nós tivemos bons momentos aí. Lá pelos anos 80 e 90 eram anos loucos, mas sempre divertidos. A trilha sonora desse verão era Lou Reed, é o tipo de som que eu lembro quando eu penso em 2007. Eu penso no álbum do Lou Reed, mas quando eu penso em termos de filmes eu me lembro de um filme que eu vi na Inglaterra em julho que partiu meu coração. Um filme absolutamente incrível, do Ayrton Senna. O filme realmente conectou comigo. Então eu contatei as pessoas que fizeram o filme e consegui uma cópia, já vi o filme seis ou sete vezes, então quando eu penso no verão de 2007 eu penso em Lou Reed e Ayrton Senna. Esse é meu verão de 2007. Eu até cheguei a levar o Lou Reed pra ver o filme do Ayrton Senna. Então eu tenho uma conexão com o Brasil por causa do Senna, que tem uma história muito bonita, não apenas sobre ele, mas sobre o Brasil também, obviamente sobre corridas de carro e também sobre espiritualidade, todas essas coisas bonitas. Isso fez bastante diferença pra mim aquele ano. Realmente mexeu comigo. Quando eu vi o filme pela primeira vez no cinema eu não sabia o final. Então eu literalmente fique sentado depois que o filme acabou, chorando. Pois quando o Ayrton Senna morreu em 94 foi a época que o Kurt Cobain morreu também. E eu estava longe num lugar no Pacífico chamado Micronésia, e não soube que o Kurt Cobain havia morrido até eu voltar para os Estados Unidos, porque nessas ilhas do Pacífico onde eu estava mergulhando não havia rádio, TV ou jornal. Eu estava completamente isolado, então eu não soube que o Kurt Cobain tinha morrido até eu voltar para os Estados Unidos. E Ayrton Senna morreu apenas algumas semanas depois. Então eu não sabia, eu não sou um grande fã de Fórmula 1, mas eu não sabia que o Ayrton Senna havia morrido. Por isso quando eu vi o filme meu coração partiu. Foi insano, um filme realmente bom. E me fez me apaixonar pelo Brasil novamente.
W (RM): Desculpe o atrevimento, mas se o Cliff Burton não tivesse morrido naquele trágico acidente do ônibus, o som do Metallica seria diferente hoje em dia?
LU: Não, não, eu não consigo responder isso. Mas claramente eu não sei. Eu não sou muito bom nas perguntas de “e se…”. “E se você tivesse virado à esquerda ao invés da direita na última quinta-feira?”, não sou muito bom com essas perguntas. Claro que Cliff era uma grande parte do som do Metallica e grande parte do molde da experiência do Metallica. Não apenas para os fãs mas para as pessoas do Metallica, ele trouxe muito para a banda. Ele foi o primeiro cara, eu acho, no Metallica a falar de Lou Reed, Velvet Underground, Lynyrd Skynyrd, ZZ Top, Peter Gabriel, Misfits. Ele trouxe muita coisa diferente. Mas eu não consigo te falar se o Metallica soaria diferente hoje, eu não faço ideia. Cliff estava sempre interessado em experiências, em arriscar, ele não era de ficar sempre no seguro. Talvez a banda tivesse sido mais experimental e louca, não sei, gosto de pensar que tentamos ser o mais imprevisíveis possível, eu não sei.
W (Nando Machado): A gente tem observado sempre nos shows e nos filmes do Metallica que você é praticamente o cérebro por trás da banda. A gente pode dizer isso? Você gosta de ser o centro da tomada de decisão da banda?
LU: Se eu gosto? Ah, acho que sim, eu não conheço nenhuma outra coisa. É o que eu sei. Quer saber? Não vou ficar mentindo pra você, claro que eu amo. Eu não estou fazendo porque ninguém faz, eu gosto de fazer e sou aberto sobre isso. Eu gosto, sim. Eu sinto que eu tenho uma boa relação com o Metallica. Todo mundo tem alguma coisa para contribuir, incluindo eu, e Pete e Cliff, nossos gerentes, ou essa pessoa ou aquela. Então no fim todos do círculo do Metallica tem algo de particular que traz, que é único. E acho que a diferença é que hoje estamos todos confortáveis com quem somos, quando há 10 ou 20 anos atrás era diferente. Não somos competitivos uns com os outros, somos competitivos com nós mesmos. Para ser o melhor que podemos, sempre. Mas sim, eu gosto do que eu faço. Eu amo o que eu faço.
Claro que Cliff era uma grande parte do som do Metallica e grande parte do molde da experiência do Metallica.”
W (RM): Mudando um pouco de assunto, vamos falar um pouco sobre esse último disco duplo que vocês lançaram. Como foi a parceria, a colaboração, entre Lou Reed e Metallica?
LU: Nós tocamos um show juntos para o Rock N’ Roll Hall of Fame no Madison Square Garden em Nova York, 2 anos atrás. E nós realmente gostamos de tocar juntos, nos divertimos bastante. E quando estávamos saindo da garagem do prédio Lou perguntou se nós consideraríamos fazer um disco juntos. Estávamos no separando no Madison Square Garden e eu falei “Claro que sim, parece fantástico”. Ele nos ligou uma semana depois e falou “eu estava falando sério”. Nós respondemos “ok, nós só temos que circundar o globo algumas vezes e terminar a turnê do ‘Death Magnetic’”. Então depois que fizemos isso nós fomos ao estúdio e fizemos… A ideia era fazer um álbum para as músicas esquecidas do Lou Reed, ele queria que o Metallica tocasse 15 ou 20 músicas que ele escolheu que tinham sido meio que passadas por cima, e ele queria que o Metallica desse uma melhorada.
W (NM): Lars, em algum momento o Lou Reed foi uma inspiração pra você? É uma influência pros caras do Metallica?
LU: Eu cresci em uma casa que era muito cheia de música, de modo geral. Então em 68, 69, 70 e 1, a música que tocava ao redor da casa era The Doors, Jimi Hendrix, Velvet Underground, Sonny Rollins, Dexter Gordon, Miles Davis, esse tipo de som. Então o Velvet Underground era parte do que estava tocando, mas quando eu comecei o Metallica Lou Reed não era o motivo pelo qual eu queria tocar música, mas eu fui bem exposto ao Velvet Underground e Lou Reed através dos anos.
W (DD): E Lars, como foi trabalhar com o produtor Greg Fidelman?
LU: Ele produziu e mixou o álbum. Ele é um dos caras do Rick Rubin, estava envolvido durante toda a experiência do “Death Magnetic”. Greg Fidelmand estava envolvido com todos os aspectos da gravação do Metallica. Foi com o Death Magnetic e com esse último projeto.
Mas eu não sabia que o Ayrton Senna havia morrido. Por isso quando eu vi o filme meu coração partiu.”
W (RM): Lars, as letras do Metallica e as do Lou Reed são bem diferentes, são estilos diferentes de letras. Como foi essa experiência de gravar junto?
LU: Bom, eu acho que Lou Reed e James Hetfield tem algumas semelhanças e os dois escrevem como se estivessem de fora, olhando para dentro. Os dois são meio que forasteiros, vem de um lugar isolado. Obviamente eles usam palavras diferentes, mas acho que ambos são letristas incríveis, que vem de um lugar de autonomia e de ser meio excluídos. Então eu acho que há semelhanças. Mas obviamente a diferença maior nesse projeto é que as letras foram escritas antes. Então quando começamos James podia se preocupar apenas com a música, sem ter que por muito peso nas palavras e achar uma melodia para elas. James estava bem mais livre e mais engajado na guitarra. Isso colocou uma diferença no projeto. Acho que o James estava preocupado em escrever letras um pouco mais cedo na saga, porque as letras são sempre a última coisa que acontece. Foi inspirador para o James ter feito isso antes.
W (NM): Agora Lars, fala pra gente; por que gravar com o Lou Reed e por que exatamente o Lou Reed foi escolhido pra gravar o disco com vocês?
LU: Eu poderia te dar uma resposta qualquer e te enganar, mas não vejo as coisas desse jeito. A liberdade de estar no Metallica e o sucesso do Metallica nos faz fazer coisas assim. É só apenas em entrevistas, 6 meses depois, quando a gente senta a fala sobre as coisas que de repente temos que entender como as coisas aconteceram. Eu nunca pergunto o porque. Então o Lou Reed disse “quer fazer um disco algum dia?” e eu disse “ok”. Não acho que precisa ser mais complicado do que isso. Eu diria que quando o próximo disco do Metallica sair, talvez em um ano ou dois, eu devo ter mais respostas para isso, porque ainda não sei. Não olhei as coisas com distância ainda. Tem muita música, é muito esmagador, muita coisa para digerir ainda, então eu realmente não sei a resposta. Mas espero que daqui alguns anos eu possa olhar para trás e te dar uma resposta melhor. Eu acho que é definitivamente único, mas se é único de um jeito bom ou ruim eu não tenho ideia ainda. Acho que as pessoas em quem eu confio na opinião falam que é muito bom, e parece muito bom, é divertido fazer, mas se está criando um novo som ou abrindo novos rumos eu não faço ideia.
W (RM): Bom, e o que os outros caras da banda falaram quando o Lou Reed disse “E aí, vamos gravar um disco juntos?”
LU: Todo mundo ficou bem afim. O Metallica vive e sobrevive na capacidade de fazer esse tipo de coisa e acho que depois de 30 anos você tem que fazer esse tipo de coisa para se manter vivo. Se você ficar preso fazendo a mesma coisa diversas vezes vira automático, entra no piloto automático. Para mim, essa não é a banda que eu quero que o Metallica seja. Algumas pessoas gostariam que o Metallica fizesse o mesmo álbum a cada dois anos. Mas não é isso que eu quero que o Metallica faça, não estou interessado nisso.
W (RM): Lars, fala pra gente quais são seus bateristas favoritos de Rock N’ Roll?
LU: Ok, sem uma ordem seria Phill Rodd do AC/DC, Charlie Watts, um ótimo baterista de rock N’ roll, Dred, que era do Rage Against the Machine, um baterista de rock N’ roll fantastico, muito subestimado. Bom balanço, boa pegada. Ian Pace do Deep Purple. Quem mais? Bonzo?
Desconhecido: Dave Lombardo.
LU: Pronto, agora temos uma ótima seleção.