Em turnê dedicada ao Temple of Shadows, o vocalista dá vida aos hinos que o consagraram

No grande esquema das coisas, é isso mesmo o que acontece. Irmãos Cavalera revisitam clássicos do Sepultura. Phil Anselmo traz 50% do seu set com hinos do Pantera. Até o Blaze Bailey revive pelo mundo sua breve passagem no Iron Maiden (e quem procura direitinho acha mais exemplos recentes facilmente). Para o bem ou para o mal, revisitar o passado parece mesmo estar sendo um sinal dos tempos. Ao menos no metal, um fato: enquanto não houver quem faça melhor, eles estarão revivendo as obras que redefiniram suas e nossas vidas. A equação se aplica redondinha ao hoje veterano (quem diria!) Edu Falaschi, que ao somar à sua carreira a laboriosa turnê de 15 anos de Temple of Shadows – o grande clássico dos metaleiros brazucas criados pela rede Manchete – o vocalista acusa com veemência a passagem do tempo em tom de celebração. O dia 16 de março foi a segunda vez que o músico executou esse disco na íntegra na capital gaúcha – a outra foi em 2005, na primeira encarnação da Temple of Shadows World Tour, à frente da banda que o revelou.

O trio de millennials que o acompanha anda se criando na internet, enquanto os famigerados  “membros originais daquela época” são o Aquiles Priester, que segue explorando a sua velha alcunha de “polvo”, e o Fábio Laguna (membro original do Hangar, junto de Aquiles), que só agora parece receber o destaque que o quinteto fantástico não pode dar em seu tempo de glória. Ao lado destes músicos experientes, o trio de novinhos de fato impressiona: Diogo Mafra mostrou que faz o dever de casa, enquanto Raphael Dafras (baixo) e Roberto Barros (guitarra), esses sim duas máquinas da técnica e da entrega instrumental, mostraram serviço pesado no palco do Opinião. A formação ainda conta com um quarteto de cordas que eu adoraria elogiar, não tivesse sido um desperdício colocá-los ao lado da ingerência sonora do exabundante baterista gaúcho, que desconta impiedosamente em seu instrumento o descontentamento com a indústria que trata o músico como otário.

A banda subiu ao palco próximo das 20h trazendo o repertório do clássico faixa por faixa, portanto iniciando o set com “Spread Your Fire” e “Angels and Demons” em sonoridade cristalina, virtuosa e absolutamente em cima dos arranjos originais. Edu, dando continuidade à sua conturbada volta por cima, mostra já de cara que o passado virou história, demonstrando controle total sobre afinação, seu calcanhar-de-Aquiles (hehe). Vale lembrar que a semana da apresentação foi o pontapé inicial da turnê, que iniciou na noite anterior, em Caxias do Sul. O vocalista traz vida aos refrões imortalizados no início deste século, e ao custo de algum esforço visível, não deixa passar nenhuma nota.

O show teve sequência com a arquitetura opulenta de “Waiting Silence”, a qual tirou da passividade o robusto público do bar Opinião. Para a delicada balada “Wishing Well”, Edu sacou um Takamine 12 cordas, aproximando o repertório ainda mais do registro clássico. Na cola, um momento antecipado desde a publicidade do evento: Edu Falaschi apresenta aquele que, palavras suas, é um dos melhores vocalistas do power metal, referindo-se ao ex-vocalista do Hibria.

Iuri Sanson sobe ao palco e mata a saudade e o desejo dos fãs gaúchos de vê-lo novamente em ação, e o vocalista não apenas trouxe suas melhores características às linhas entoadas por Kai Hansen no álbum, mas roubou a cena para mostrar um vocal que ainda impressiona pela expressão, deixando até Edu de queixo caído. Um ponto alto, que teve descanso na próxima música, na qual o destaque ficou para Barros com os temas complexos de “The Shadow Hunter”. O guitarrista, aclamado e apelidado pela platéia de “Safadão! Safadão!” (em referêcia a Wesley Safadão, com quem parece compartilhar algumas feições), mostrou versatilidade técnica e deleitou os presentes com uma pegada segura e suntuosa no violão clássico, que por sinal soava muito bem nos PAs.

A partir daqui, o show já parcialmente composto por “novas caras” ganhou total ares de “concurso de talentos” com o espaço aberto para a participação de músicos locais em partes gravadas, no álbum, por cantores como Hansi Kürsch (Blind Guardian) e Sabine Edelsbacher (Edenbridge). Os locais mandaram muito bem: o curto trecho de Ariana Gatto em “No Pain For The Dead” realmente convenceu de que houve critério na seleção, enquanto Douglas Marques entregou uma ótima performance nas linhas imortalizadas pelo grande vocalista alemão em “Winds of Destination”.  O fim do disco se anunciava para logo, e como esperado, o público completou as lacunas deixadas em “Late Redemption” por um Milton Nascimento que segue se recusando a reunir-se ao ex-vocalista do Angra para um DVD junto dos intérpretes originais do disco.

Sem pausa, o vocalista respirou fundo e seguiu com um segundo ato curto, composto de um clássico fundamental (“Rebirth”), um b-side cultuado (“Live And Learn”, muito apreciada pelos presentes) e duas faixas originais lançadas já com essa formação e que agradaram. “Glory of the Sacred Truth” trouxe o cantor a notas altíssimas e soa muito melhor ao vivo, enquanto “Streets of Florence” também entreteve. O vocalista, com a figura um pouco menos “Cavaleiro do Zodíaco” que um dia já teve, prova estar em ótima fase na carreira e na técnica, buscando as notas originais e explorando “com sabedoria” seu timbre clássico enquanto amadurece excepcionalmente bem sua sólida relação com os fãs.

Aquiles deixa seu enorme kit de bateria para enaltecer o vocalista e se dirigir aos “conterrâneos” com mais intimidade. A banda finalizou o set com “Nova Era”, dando ao público basicamente tudo aquilo que prometera. Edu Falaschi mostra-se revigorado, colhendo os frutos de acertos do passado. Trilhando um caminho honesto e com conteúdo na atualidade. Que terminem a turnê com a excelência que começaram. Proporcionando nostalgia, arte e metal melódico para todos que tiverem a chance de apreciar.

Texto por: Rust Costa Machado

Fotos: Daniela Cony

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