Texto por Thiago Vidal

O anúncio repentino de que duas bandas da cena hardcore norte-americana viriam ao Brasil para algumas datas me pegou totalmente desprevenido.

Angel Du$t com o lançamento recente do ótimo, diferente e desprovido de rótulos Brand New Soul. O álbum, que em si é uma homenagem ao hardcore, e mostra o quanto o gênero ainda pode ser inventivo, aproveitando o momento de libertação que a cena vive e mostrando um som bem equilibrado entre o pop e o muito agressivo tipo de música de onde vem as raízes da banda.

No Warning, uma das pioneiras da cena em Toronto, com seu som mais clássico dentro do hardcore punk e influências próximas do NYHC, teve uma ascensão meteórica e dissolução ainda no início dos anos 2000, reagrupando no fim da última década. Era a oportunidade de assistir duas apresentações que, convenhamos, além da dificuldade em pisar em solo brasileiro, o retorno é muito complicado, levando em consideração o truncado mercado de shows do nosso país e cada vez mais a extinção das produtoras menores que valorizam a pluralidade em detrimento ao lucro.

A noite no Jai Club, em São Paulo, começou com um atraso de 30 minutos mas foi um contratempo positivo, o tempo de espera fez com que mais pessoas estivessem presentes para conferir o som da Joker. Hardcore paulistano, sem enrolação, com riffs que trazem uma sonoridade mais old school que mescla bem as influências do crossover thrash e hardcore nova-iorquino da do grupo, tudo isso com a mistura brasileira, o gingado, a violência e o sabor do terceiro mundo, o quinteto entregou um show com peso.

Enquanto a roda ainda estava tímida mas os braços já estavam rodando, os 2step de aquecimento já rolavam e o calor ainda não era tão intenso, a banda pôde mostrar os primeiros trabalhos recém gravados ao vivo. Os coringas ainda tem muito a contribuir com essa nova onda de bandas que fazem o hardcore ser o hardcore em SP.

Stomp entrou com a responsabilidade de manter tudo sob controle e durante alguns momentos os pulos de cima do palco estavam acabando com as pessoas se chocando contra a parede da casa, acho que isso chega próximo do que foi o show dos caras ao vivo. O vocal rasgado do Lucas, vocal da banda, e o baixo extremamente crocante do José Vinicius deram o tom do show que além de rápido foi muito bem executado.

Em ”Explanations”, faixa do Tropichaos, a banda a entregou o coração no palco pro público com punhos marcados em X de caneta levantados no ar. Os shows ficam marcados também por uma aderência mais baixa do público, que em parte, preferiu chegar para os “atos principais”. O hardcore é uma cena de nicho no Brasil, totalmente baseada no faça você mesmo, já num país de terceiro mundo que marginaliza tudo o que se recusa a aceitar, talvez uma casa lotada fosse o mínimo para apreciar as bandas que fazem o trabalho de manter a cena viva e ativa no nosso solo.

Uma das primeiras frases que Ben Cook, vocalista do No Warning, disse ao subir no palco foi que queria que todos fossem pra frente. Ele queria ver os rostos, sentir a presença da massa e a resposta foram pulos do palco, colisões entre cabeças e a caixa de som que ficava presa ao teto e entrega completa do primeiro ao último som. A banda fez um passeio por todos os lançamentos, com destaque pro impecável I’ll Blood, disco de 2002, com sonoridade clássica que ao vivo só acentua o poder dos caras. O minuto final de “Short Fuse” foi de caos dentro da casa, entre braços girando, versos gritados e punhos no ar.

Chegada a hora do esperado último ato, Angel Du$t se preparava para entrar enquanto “Muck Motors”, do último trabalho de estúdio, servia como intro pro que seria o show mais caótico e pesado da noite. Um dos personagens principais da noite, o calor, já tinha quase um efeito psicotrópico no espaço apertado e derretido da pista – talvez isso tenha contribuído para que ninguém ficasse parado um só instante durante uma hora inteira.

Abrindo o show com os riffs apressados de “Toxic Boombox” transformando todo o espaço num grande mosh pit, seguido da trinca “Brand New Soul”, “Love Slam” e “Space Jam” mostrando quão rápidas e rasgadas são as faixas do Brand New Soul ao vivo, álbum lançado no final do ano passado e um dos melhores e mais autênticos de 2023.

Dividindo o mic com quem se atrevia a ficar em frente ao palco, Justice Tripp, vocal e frontman do Angel dividia o tempo entre cantar, dançar e dizer que num show de hardcore algumas coisas saem do lugar, enquanto a equipe trocava um microfone que tinha acabado de ser destruído por um fã dando stage dive.

A noite ainda guardava um encerramento que vai ficar na memória, durante “Set Me Up”, faixa de encerramento da set, várias minas subiram ao palco pra gritar os versos “When I needed you, you were nowhere around/ You set me up to knock me down/ Fuck you, you were nowhere around”. Angel Du$t encerrava sua primeira passagem no Brasil saindo do palco com alguns agradecimentos rápidos.

O momento é brilhante, de renovação e aceitação. Em uma única noite foi possível ver que existe um espaço de criação muito mais amplo se comparado ao começo do movimento, essas bandas coexistem e se complementam. Foi presenciado na Jai Club o encontro de gerações, de vertentes diferentes mas que utilizam da mesma linguagem, mantém o mesmo ethos e as mesmas convicções, isso mostra o que o hardcore realmente é, e o porquê de ser tão emocionante.

Nossa fotógrafa Marcela Lorenzetti também foi ao show e registrou a noite. Confira nossa galeria de fotos abaixo:

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