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Não só liricamente, mas musicalmente o Thrash foi perdendo o peso. O medo do perigo externo foi sendo substituído pela melancolia e medo interno.”

por Patric Cipriano

Eu pensei muito neste artigo antes de tomar a decisão de escrevê-lo, então quero deixar claro que o que estou escrevendo é uma opinião, uma impressão e não uma verdade absoluta.

Dito isso, podem apagar as tochas, guardar as foices e abaixar os martelos. Na verdade o tema estava me martelando na cabeça como o Charlie Benante do Anthrax tocando Gung Ho, ou mais cadenciadamente em Only. Como os anos 90 influenciaram o Thrash Metal?

Para entenderem onde quero chegar, vamos entender o que rolou nos sombrios anos noventa. Com o fim da cortina de ferro, a abertura sócio/política do leste europeu, o fim da União Soviética e a reunião das Alemanhas o mundo deixava de ser bipolarizado.

As questões humanas, dramas pessoais, drogas, conflitos em família, questionamentos sobre a liberdade do ser humano, conflito homem x máquina, internet e computação pessoal começaram a influenciar a cultura da época. Assim, afastando do risco de uma guerra nuclear que era o eterno pesadelo dos anos 80, temas recorrentes como inverno nuclear, devastação humana, guerras mundiais deixavam de estar na “moda”.

Ou seja, músicas como “Desposable Heroes” do Metallica ou “Peace Sells… But Who’s Buying?” do Megadeth não tinham mais sentido serem tocadas. Ora, o artista dá a visão dele do mundo a sua volta.

O que se passou foi uma década de depressão, (ou introspecção) onde aquela expectativa do Stanislav apertar o botão vermelho nunca se concretizou, ou seja, ficou um vazio na população mundial pois não havia mais o terror externo e sim o terror interno de cada um. O medo belicista ocupou as mentes nos anos 80 e pouco espaço restou para discutir outros temas.

É como se não houvesse o que substituísse o vazio deixado pelo medo de um embate EUA x URSS, já que na década de 90, eramos todos “irmãos”, de um dia para o outro. Com esse novo “status” as questões do vazio da alma foram surgindo e os questionamentos sobre o sentido da vida, os relacionamentos e etc.

Se pensarmos bem, “Rust in Peace”, (1990) do Megadeth foi o canto do cisne para o tema oitentista, vamos por assim dizer. Bebiam o último gole daquela fonte, outrora inesgotável, de medo nuclear, guerra, espionagem e conspiração.
Tanto que “Holy Wars” (conflitos na Irlanda) conviveu ao lado de “Rust in Peace…Polaris” (conflito nuclear). Entretanto o medo interior começou a surgir se lembrarmos que no mesmo álbum temos “Poison Has No Cure”.
O álbum seguinte, “Countdown to Extinction” requentou o tema oitentista, claro, com maestria, mas ao meu ver, bem abaixo do álbum anterior.

Do outro lado do Atlântico não foi diferente. O Kreator também foi afetado pelos anos 90.”

Como percebemos, não só liricamente mas musicalmente o Thrash foi perdendo o peso. A ira/medo do perigo externo, foi sendo substituído pela melancolia e medo interno. Vemos isso em “Youthanasia” onde até uma “balada” (A Tout Le Monde) pode ser encontrada.

O que se seguiu foi um álbum mediano (Cryptic Writings) e descambou no experimentalismo do Risk, como uma fuga destas angústias.

Do outro lado do Atlântico não foi diferente. O Kreator também foi afetado pelos anos 90.

Vamos lá, eles vieram do Endless Pain (1985), mataram a pau com o Pleasure to Kill (1986), mantiveram a pegada com o Terrible Certainty (1987), vararam tudo com o Extreme Aggression (1989). Porém, com a chegada dos anos 90, o álbum seguinte Coma of Souls (1990) começaram os experimentalismos (não necessariamente ruins), mostrando que algo havia mudado e vemos uma sequência mediana de álbuns, iniciada com Renewal (1992) e terminando com os execrados Outcast (1997) e Endorama (1999). O que se seguiu, Violent Revolution (2001), foi o movimento “sair da fossa”.

E não pense que alguém saiu ileso. Vejam o caso Anthrax, acredito ser o mais interessante:

Vieram do Fistful of Metal (1984) até o Persistence of Time (1990) mantendo a pegada. Porém, já no Persistence podemos perceber que o ritmo ia baixando e que os temas (sempre variados no Anthrax) iam começando a convergir mais para o lado humano.

Com a saída de Joey Belladonna, entrou John Bush, que contribuiu (juntamente com o clima noventista) para a convergência da temática, do peso, do ritmo. É curioso que, com o mesmo John Bush, temos o We’ve Come For You All (2003), tentando resgatar o que foi perdido nos anos 90.

O Testament também teve sua vez, apesar de que, em minha opinião, a oscilação foi menos sentida. Depois do Practice What You Preach (1989), vieram The Ritual (1992), um pouco mais lento e depois Low (1994), recuperando a pegada.
Da mesma forma, o Slayer sentiu o baque dos anos noventa e percebemos isso no álbum South of Haven (1989)… Nem eles escaparam.

Eu podia citar mais casos semelhantes mas resolvi deixar o mais emblemático para o final: Metallica.

Em Master Of Puppets, o Metallica transcende o Thrash. Épico, grandioso, denso e vanguardista”

O Metallica nasceu no turbilhão Thrash oitentista, Bay Area, demissão do Dave Mustaine, ou seja, tudo para seguirem os trilhos do Thrash Metal sem desvios. Porém eles tinham um baixista – Cliff Burton – cuja cultura e criação iria temperar a banda.

Sua influência começou bem antes, mas é viceral em “Anesthesia…” mesmo no mais Thrash dos Thrashes Kill´em All (1983). Mesmo com o tamanho Hetfield e com o teimoso Ulrich, a sensibilidade de Cliff para os anos que viriam era tamanha que influenciou na Fade to Black do Ride the Lightning (1984).

Percebam que do Thrash cru para algo mais elaborado foi dado em um passo.

Em Master Of Puppets (1986), o Metallica transcende o Thrash. Épico, grandioso, denso e vanguardista, mais uma vez Cliff se superara em sua influência.

Mas veio o tal acidente. Newsted entrou para a banda, que já tinha bastante do And Justice For All (1988) composto, certamente com a marca de Cliff Burton impressa. Vejam, ainda estamos em 1988 e o clima era totalmente outro. O Metallica previu ou a morte de Cliff é que trouxe os conflitos internos do ser humano para as músicas?

É de arrepiar pensar que, como o Metallica se reinventou a cada álbum, ele sempre esteve a frente do seu tempo, além das outras bandas de Thrash, meio que abrindo caminho. Como se dissessem “vamos tocar assim, vamos falar disso, agora” e passa um ou dois anos, todos estão neste nível.

Em 1990, no meio do grunge, o Metallica não teve medo de ser “pop” (aqui justamente entre aspas) e botou o Black Album (1991) nas paradas, com musicas “acessíveis” ao cidadão comum. Eu comecei assim, não nego!

O Megadeth foi tentar isso 2 anos depois, o Anthrax 3, e por aí vai a influência do Metallica nas outras bandas. Era algo do tipo “se com o Metallica deu certo, eu também posso tentar assim”, juntamente com a cultura dos anos noventa empurrando para se fazer deste jeito.

Medo de virar clichê ou cover de si mesmo? Não sabemos e só podemos fantasiar estas teorias. Tanto que a chamada “dupla maldita” do Load (1996) e Reload (1997) chegaram na segunda metade dos anos 90, trazendo Hard Rock e até Country com pitadas de Heavy e Thrash. Era como se os 4 anos tocando e vendendo o Black Album já tivessem enchido o saco e precisavam de uma ruptura urgente, pois aquele clima estavam matando-os.

Ninguém sabe de quem é a “culpa”: anos 90, produtor ganancioso, banda entediada ou tudo junto, misturado, ao mesmo tempo.

Mas, em se tratando de Metallica, nada podia ficar como estava e lá foram eles aprontar de novo: juntamente com a Sinfônica de São Francisco gravaram o S&M (que alguns maldosamente apelidaram de Sado/Maso) e tocaram suas músicas, exceto do Kill’em All.

Ao meu ver, a Sinfônica na maioria das músicas ficou como um acessório pendurado, uma adaptação, sem uma integração. Entretanto, algumas como “- Human” ficaram muito boas. Ufa, era o fim dos anos 90.

Esta análise não tem o objetivo de caçar as bruxas, apontar dedos ou procurar culpados. Havia coisa boa naquele amontoado de mágoa e baixa auto estima, era uma questão de procurar e não ser preconceituoso. Vemos que a influência cultural dos anos 90 foi tanta que nem o Thrash Metal oitentista passou ileso. Mas para a nossa sorte, os anos 90 ficaram, e todas as bandas legais que conhecemos se reinventaram no estilo que os consagraram, nos agraciando com “Death Magnetic” (esqueça St. Anger, pelamordedeus…) ou Endgame (sai de retro, Risk), só para ficarmos com os mais básicos.

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