Noite foi dedicada a Fabiano Penna, fundador do Rebaelliun, que faleceu logo após retornar de turnê na Europa

O fim de tarde de domingo, 2 de dezembro, marcou o fim do calendário metal de Porto Alegre em 2018. Para esta data, estava marcado o 9º RS Metal, contando com o prog melódico do Hangar de Aquiles Priester, além dos veteranos do death/thrash gaúcho Panic, e a tortuosa sequencia do Rebaelliun após a lamentável perda de Fabiano Penna, um de seus membros-fundadores.Com este elenco diversificado, inteiramente gaúcho, e a um preço acessível, os entusiastas da cena local (com um grande número vestindo camisetas dessas bandas) fizeram volume na pista do tradicional Bar Opinião, lar de décadas de heavy metal nacional e internacional, o qual vem se ensaiando para uma complexa mudança de bairro.

Para a abertura, às 19h30, o Gueppardo (eleito em enquete na internet) subiu no palco, apresentando-se para mais ou menos 70 pessoas. Apesar do eco repicando as paredes da casa semivazia, a banda usou a oportunidade para extravasar e mostrar seu som, uma cruza de heavy metal tradicional, vocais superagudos e indumentária hard rock, tudo isso com letras em português. A banda iniciou com “Fúria e Paixão” e “Instinto Animal”, e após dar as boas ao RS METAL, executou “Castelo de Cartas”, ponto alto de seu set, graças ao refrão.

“Execução Sumária”, faixa-título do debut do quarteto, revelou alguns pontos a serem resolvidos, o baixo agudo demais, a guitarra ainda magrinha para riffs que pedem corpo, os vocais agudos que quase beiram o desconfortável, embora o vocalista mostre, com algum esforço, que dá conta do recado. Para quem conferir o disco dos caras na internet, poderá se impressionar com a empáfia da produção, que de fato impressiona pela pegada metal oitentista. A banda ainda precisa de algum trabalho, mais focado na sua sonoridade ao vivo, para transformar o registro em um concerto mais contundente, mas certamente o show cumpriu a função, introduzindo a noite com algumas variáveis importantes em um evento como esse: trabalho independente, vontade de tocar, coragem para mostrar suas características próprias. Com “Fissura Total”, canção em que fica latente a marca gaúcha do “tu tens / tu sabes”, o quarteto deixou o palco grato pela oportunidade, cientes que estavam da responsabilidade que tinham ao anteciparem o que estava por vir: a homenagem a Fabiano Penna.

Do outro lado do espectro metálico, extremo também foi o rumo que a noite se viu obrigada a tomar. De casa mais preenchida, o evento se preparava para a (previamente anunciada) homenagem do falecido guitarrista da Rebaelliun, banda de death metal porto-alegrense que, em seu terceiro álbum (e dois EPs), já vinha conquistando espaços cada vez mais sólidos nos círculos internacionais. Após mais de 10 anos de hiato, a banda retornou triunfante, muito em consequência do trabalho excepcional de Penna nos bastidores e nos palcos do death metal nacional. O guitarrista teve passagem noAndrallse contribuições no Unearthlye Nephasth, além de dar mostras de sua genialidade na excepcional The Ordher, nascida do hiato do Rebaelliun. Junto da banda, o guitarrista voltava da gira “Fight the Plague Tour 2018”. Diagnosticado com uma infecção generalizada, não resistiu e acabou falecendo em 27 de fevereiro. Assim, o intuito da noite estava claro desde sempre: entre tudo que se celebrava ali, o centro das atenções era a memória do guitarrista, fortalecida na presença de seus familiares, nas homenagens dos amigos, e na apreciação de seu legado.

Assim, seguiu-se a apresentação de um comovente vídeo de 10 minutos dedicado a Penna, apresentado como líder do Rebaelliun. Alguns nomes da cena local destacaram sua afeição ao guitarrista: entre eles, André Meyer (Distraught) lembrou de quando, durante as gravações do primeiro disco de sua banda, Penna deixava de almoçar pra comprar um amplificador Marshall. Abel Camargo, fundador e único membro remanescente no Hibria, relembra os tempos de parceria com o músico. Também Márcio Jameson (Finally Doomsday, ex-Bestial), proprietário da loja A Place… (tradicional reduto de artigos heavy metal da cidade), expressou seu respeito pelo compositor e músico, saudando particularmente a gerência exemplar do Rebaelliun.

Após os aplausos emocionados da plateia, sobem ao palco os colegas e amigos de Penna, Lohy Fabiano (vocal) e, visivelmente abatido, Sandro Moreira (bateria). Junto deles, vinha Evandro Passos (guitarra) com a dificílima missão de substituir o homenageado. Os músicos do Rebaelliundeclaram o objetivo de honrar o legado do guitarrista, mantendo aquilo que “certamente seria o desejo de Penna: a continuidade da banda”, segundo Lohy, e assim se deu o início da melhor apresentação festival.

De olhos marejados, Sandro chama a primeira do set, “War Cult Anthem”, uma metralhadora sonoramuito bem recebida pelos presentes, assim como todo o set. Lohy relembra a importância deste concerto, que de fato possui uma atmosfera totalmente atípica, mas resguardada no conforto do “lar” porto-alegrense, junto dos familiares e amigos. O show seguiu com o riff cortante de “Spawning the Rebellion”, e na sequencia, “Afronting the Gods”, canção destruidora do último full lenght da banda com Penna.

O empenho de Evandro em dar vida ao legado de Penna era evidente, confirmando o guitarrista como um novo membro à altura do posto e da responsabilidade. Antes de tocarem “Anarchy”, Lohy fez questão de esclarecer a insatisfação com o atual cenário político: “onde quer que [Penna] esteja, ele deve estar muito puto com essa situação”, disse Lohy do guitarrista que não viveu para ver o resultado das eleições. Felizmente a intervenção foi bem recebida pelo público, e aqui destacou-se o esmero de Sandro, que surrava a bateria impiedosamente, roubando a cena e traduzindo o sentimento de muitos dos presentes.

Ao final, em The Last Stand,quem roubou a cena foi o próprio Lohy, dividindo o cérebro dos presentes com vocais e linhas de baixo aparentemente impossíveis de concatenar. Fechando os trabalhos, a banda chamou ao palco alguns convidados como Gabriel Siqueira (atual Panic) e seu irmão, além do supracitado Márcio Jameson e o vocalista-agitador Antônio Fumanchu (Noncomformity). Os amigos mandaram um cover “informal” de “Breaking the Law”, hino do Judas Priest que, apesar da ótima intenção, pecou em deixar Sandro de fora da brincadeira, apenas olhando do canto do palco. Assim se encerraram os trabalhos da Rebaelliun, que deixaria o palco para o Panic assumir o comando.

O Panicé uma dessas bandas gaúchas que, ao lado de nomes como Leviathane Distraught, sustentam algo de valioso na tradição do metal gaúcha. Às 21h30, o quinteto subiu ao palco disposto a trazer tudo a baixo, e foi mais ou menos essa a impressão que se teve no final: caos sonoro, o público perplexo, e uma verdadeira bagunça no palco.

Apesar do baterista Everson Krentz esbanjar viradas impressionantes e velocidade virtuosa, o som parecia não ajudar os músicos, que talvez tenham tido uma impressão bem diferente dos amplis e retornos da que tivemos dos PAs. A outra hipótese, porém, é exatamente o contrário: a banda estava lá pra atucanar mesmo e, sendo essa a ideia, o fez com maestria. O set da banda transitou por seus 3 discos, e a faixa que mais chamou a atenção foi o (esperado?) anti-hino do thrash gaúcho “Shoobydahbydoobah Porto Alegre é Meu Lar”, que contou com nada menos que 13 pessoas no palco entre banda e convidados, incluindo Pisca (Pisca Produtora), realizador do evento.

Já nos aproximávamos das 23h quando nos demos conta: faltava uma banda. Com o ônibus de Aquiles Priester estacionado na lateral da casa de shows, assim como seu monumental kit de bateria coberto por uma lona ao longo do evento, deixando apenas metade do palco para as outras bandas do festival, sabíamos que o show do Hangar seria o mais produzido, profissional e ambicioso, mas não tínhamos como saber que seria tão longo. O show do Hangar foi antecipado por um medley de partes de guitarra do álbum Somewhere In Timedo Iron Maiden, seguindo a estratégia do prenúncio do show utilizado por grandes bandas.

A banda pisa firme no palco e inicia seu set com “Reality is a Prison”, revelando o famigerado elemento desde o início do Hangar há quase 20 anos: bateria alta demais. Ainda assim, deu pra curtir os drives de Pedro Campos (vocal), e a cozinha de fato precisa de Aquiles Priester e Nando Mello (baixo). A banda seguiu com a cadenciada “The Revenant”, e “Forgive the Pain”, onde o vocalista pode exibir sua impressionante afinação. Técnica, pompa, ambição: essas são as tônicas do atual show do Hangar, que pecou em não deixar a guitarra soar tão alta quanto a batera, fazendo muitas vezes o trabalho de Cristiano Wortman (guitarra) soar como mais um dos efeitos de Fabio Laguna (teclado), algo que traz o realce para o elemento progressivo mas lamentavelmente faz com que o metal se perca.

Um pontos alto desse show foi a possível melhor música da carreira do Hangar, “To Tame a Land”, do hoje clássico do cenário nacional Inside Your Soul (2001). Mas o público… não pareceu compreender isso muito bem. Pode parecer que estou opinativo demais, mas depois da quinta música, era possível reparar que o público estava mais ou menos condescendente com tudo o que via: nem impressionado, nem decepcionado, apenas genericamente satisfeito. Isso se comprovou ainda mais quando a surpreendente presença do primeiro vocalista, Michael Polchowicz, que veio para fazer um medley de ótimas canções do Inside Your Soulpareceu não comover muita gente, nem mesmo quando ele escalou a lateral do palco até a altura do teto. O que estava acontecendo? O show ia rolando, o tempo ia passando, e talvez fosse apenas cansaço mesmo, afinal já era quase meia-noite, e no outro dia tinha trabalho, e a galera chegou na luz do sol ainda… mas é fato que a os bumbos clicados e os estouros de uma caixa hiperamplificada ajudaram a dar uma zonzeira no público, muita gente, mesmo os uniformizados com a camisa da banda, comentando o excesso.

O Hangar encerrou seu longo show com aplausos que, de certa forma, agradeciam pelo espetáculo, mas também por sua conclusão, mesmo com a intervenção de Aquiles, que chegou a declarar que fariam um show completo naquela noite (em detrimento das limitações geralmente impostas à logística dos festivais). Apesar de tudo, a banda prova estar em sua melhor fase desde 2003, e segue em turnê divulgando o seu lançamento mais recente, “Stronger Than Ever”, o que justifica a realização de um show completo e de alta performance em sua própria casa.

Dessa forma, deu-se por encerrada 9º RS METAL, uma celebração dedicada à vitalidade do underground, à vida e legado de Fabiano Penna e a força do metal gaúcho, que se mantém perene, justificando a capital do estado mais ao sul como parada obrigatória das pequenas e grandes bandas do mundo todo.

Texto por: Rust Costa Machado
Fotos por: Daniela Cony

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