Fúria – a história e as histórias do heavy metal no Brasil

 

Capítulo 1: Nativity In Black

Por Luiz Cesar Pimentel & Wikimetal

Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 1970.

Não dá para discutir com essa data. Então, cravemos: Esse é o dia em que o Heavy Metal nasceu, afinal esse é o dia do lançamento do primeiro disco do Black Sabbath, que leva o nome da banda.

A discussão eterna é quem foi o criador do gênero. Argumentos (válidos) pipocam. Mas também não dá para discutir se você mergulhar um pouco mais na questão.

São 37 segundos de um som de chuva de gotas grossas, dramaticamente acompanhada por trovões esparsos e badalar de sino ao fundo. É uma combinação que se torna visual, até que o baixo de Geezer Butler e a bateria de Bill Ward servem de estofo para a guitarra de Tony Iommi extrair a fórceps o Heavy Metal em um dos riffs mais clássicos da música.

Três notas que formam um intervalo musical conhecido como trítono, em efeito dissonante. Tão tensos que na Idade Média era proibida a combinação – “atrai o demônio”, justificavam os religiosos, que batizaram o trítono de “diabolus in musica”.

Tony Iommi não estava nem aí. Sequer fazia ideia disso.

E a letra, composta pelo baixista Geezer Butler, reforçava o clima obscuro.

What is this that stands before me?
Figure in black which points at me
Turn around quick, and start to run
Find out I’m the chosen one
Oh, no…
Big black shape with eyes of fire
Telling people their desire
Satan’s sitting there, he’s smiling
Watches those flames get higher and higher
Oh, no, no, please God help me.
Is it the end, my friend?
Satan’s coming ‘round the bend
People running ‘cause they’re scared
The people better go and beware
No, no, please, no.

A inspiração para a música veio do blues. Black Sabbath, quando era conhecido como Earth, se denominava um grupo de “blues pesado”. Para Butler, a inspiração para a letra veio dos filmes de terror – ele vira filas de pessoas às portas de cinemas para assistirem filmes do gênero e deduziu: “Se as pessoas se interessam pelo tema, vou escrever sobre”.

O Black Sabbath quando ainda era Earth.

Quando juntaram todos os elementos acima, formaram o núcleo atômico do metal pesado.
A primeira referência conhecida ao estilo surgiu no romance “Nova Express”, do escritor beatnick William S. Burroughs, em 1964. Um dos personagens do livro ganhou o nome de “Uranium Willy, the heavy metal kid”. Basicamente porque o urânio, como elemento, é um metal pesado.

Quatro anos depois, a cultura pop foi tomada pelo “heavy metal thunder”, da letra de “Born to be Wild”, do Steppenwolf. Mas também era uma referência fora do aspecto musical, ao ronco dos motores de motocicletas.

Como referência musical, a primeira conhecida foi dada pelo célebre crítico Lester Bangs, na revista da qual era editor, “Creem”. Mérito dado, vale lembrar que Bangs detonou o primeiro disco do Sabbath em resenha para a revista que editava, apontando esse como “confuso”, para resumir.

Já entre os músicos, são muitos os que são considerados pais do Heavy Metal. Muitos dizem ser o Led Zeppelin. Ou Deep Purple. Mas eram bandas de rock pesado, sem a combinação de componentes que os elevaria à categoria paterna. O mais próximo que o Zeppelin chegou foi pela obsessão do guitarrista Jimmy Page com o ocultismo e magia negra, que o levou até a comprar a casa do “bruxo” Aleister Crowley (o “Mr. Crowley”, de Ozzy Osbourne). Já o Deep Purple parou nos chapéus de bruxa que o guitarrista Ritchie Blackmore usava à época.

Tanto que um ano antes do lançamento de “Black Sabbath”, o disco, Ozzy ouviu uma cópia do primeiro disco do Led Zeppelin, igualmente homônimo, e perguntou para Tony Iommi:

– “Você viu como é pesado esse disco ?

Ao que Iommi deu de ombros:
– “O nosso será mais.

E foi.

Ao custo de 600 libras esterlinas e gravado em dois dias, “Black Sabbath” foi lançado na sexta-feira 13 que abre este capítulo e trazia clássicos como a faixa-título, “The Wizard”, “N.I.B.”, “Behind the Wall of Sleep” e “Evil Woman” (esta, cover do The Crow).

Os quatro integrantes eram da cidade industrial inglesa de Birmingham, todos nascidos entre 1948 e 49, logo após a Segunda Guerra Mundial. Ainda adolescente, Iommi perdeu as pontas de dois dedos da mão direita (é canhoto) trabalhando em uma das fábricas da cidade-natal. Ao se virar para continuar tocando guitarra, inspirado no violonista cigano Django Reinhardt, que tinha apenas três dedos na mão canhota, Iommi criou o estilo pesado, com adaptação de cordas, afinação e ponteiras para os dedos.

Formação clássica do Black Sabbath: Geezer Butler, Tony Iommi, Bill Ward e Ozzy Osbourne

Nos Estados Unidos, à ocasião, alguns grupos seguiam a linha do blues pesado igualmente, mas não chegaram a cruzar a linha de gênero. Na igualmente industrial cidade de Detroit (“Detroit Rock City” do Kiss é uma brincadeira com isso, já que a cidade era conhecida como “Motor City”, por conta das fábricas de automóveis) faziam sucesso grupos pesados e violentos como The Stooges e MC5.

O que mais se aproximava era o Blue Cheer, um power trio da californiana São Francisco, formado em 1967 e que debutou em disco no ano seguinte com “Vincebus Eruptum”. A versão pesada de “Summertime Blues” desse disco é a que mais roda conversas sobre ser o primeiro Heavy Metal gravado. Mas, caramba, é “Summertime BLUES”. Ou seja:

– “Foram grupos muito importantes para a cena (Heavy Metal). Mas o estilo de música que faziam era mais pelo volume e pela fúria”, contextualiza com propriedade o baixista do Rush, Geedy Lee.

O lançamento do Black Sabbath chegava em uma hora estranha para a música mundial. O debute chegou ao 8º lugar na parada britânica, em sucesso inesperado. Talvez prenúncio de que tempos difíceis para a música tocavam a corneta.

Em abril daquele ano, os Beatles anunciaram oficialmente a separação. E a partir de setembro de 1970 até o meio do ano seguinte, o rock perdia três de seus principais representantes – Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, todos vítimas de drogas.

Os anos 1960 acabavam. Os anos 70 prenunciavam, ao lado do Heavy Metal, porém, a época mais evolutiva do rock – foi na década a explosão do rock de arena com Aerosmith, Kiss e Van Halen nos Estados Unidos, o punk dos dois lados do oceano e a música progressiva no meio do sanduíche.

Jimi Hendrix apelidara sabiamente o Heavy Metal de “a música do futuro”.

O “rock” progressivo foi chutado na bunda pelo coturno punk, e porcamente terminou a década em pé. Já o punk teve uma explosão simultânea do meio para o final dos 70 em Londres e Nova York e acabou diluído em hardcore, pós-punk e new wave na virada dos 80. Já o Heavy Metal manteve-se na sombra, onde permanece até hoje, gigante escondido no porão.

A chama permaneceu durante esses anos mais forte na Inglaterra, onde grupos como Judas Priest, Iron Maiden, Def Leppard, Motörhead e Saxon se formaram e engatilharam o que viria a ser o primeiro grande momento do gênero na virada dos 80, o New Wave of British Heavy Metal.

Foi então que o gênero se espalhou virulentamente pelo globo. E ecoou no Brasil.

Aqui, qual no restante do mundo, a paternidade do Heavy Metal é reivindicada e atribuída a muitos grupos. A maioria dos dedos apontam para a Patrulha do Espaço, grupo criado em 1977 por Arnaldo Batista, recém saído dos Mutantes. Mas vale o mesmo princípio quando da criação do gênero – Patrulha era um grupo de rock. Pesado. Mas não possuía cabeça, tronco e membros de metal.

A primeira manifestação do Heavy Metal como um gênero no país, em fator aglutinador, veio com o lançamento de um fanzine, que circula como revista até hoje, “Rock Brigade”, em Março de 1982, em São Paulo.

Edição 13 da Rock Brigade quando ainda era um fanzine em preto e branco.

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Leia Capítulo 2: Crusader, O Desembarque no Brasil
Leia Prefácio (aka Carmina Burana)

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