Texto por Leandro Abrantes e Luis Fernando Ribeiro

Não é de hoje que o processo de globalização respingou seus impactos no cenário musical mundial. No heavy metal, que é um gênero extremamente global, as coisas não podiam ser diferentes, não sendo raro hoje em dia encontrar músicos de diversas nacionalidades atuando em bandas distantes de suas origens. No Brasil, vem se tornando uma prática cada vez mais comum aos músicos buscar espaço e maior visibilidade em cenários da música pesada que respeitam e reconhecem os artistas dessa vertente musical.

Ainda assim, uma coisa que definitivamente não é comum de se ver é uma banda inteira formada apenas por músicos brasileiros juntarem-se fora do país. Esse é o caso da luso-brasileira Capella, radicada em Lisboa, Portugal, e formada pelos experientes André “Zaza”, que foi guitarrista da banda do Andre Matos durante seus três discos de estúdio e tocou no Angra antes do Kiko Loureiro se juntar a banda, Jota Fortinho, vocalista da banda eslovaca Signum Regis, ex-Before Eden e Fortress, Pablo Romeu, guitarrista com vasta experiência solo voltada para uma sonoridade fusion, Gabriel Carvalho, baixista da Terra Prima, e Fernando Castagna, que foi baterista da Scenes From a Dream, tributo ao Dream Theater de São Paulo.

Apesar da formação passar a impressão de um projeto paralelo de músicos que já alcançaram algum reconhecimento com outras bandas, a Capella surge como banda principal dos integrantes, com pretensões ambiciosas em um trabalho nascido para brilhar e ser grandioso, como sugere o próprio nome da banda, inspirado na estrela Capella, da constelação do Cocheiro, uma das estrelas mais brilhantes do céu noturno.

Com planos de lançar um EP com cinco músicas até o final do ano – já prontas mas com estreia adiada devido a pandemia de Coronavírus – e um álbum completo no ano que vem, a banda disponibilizou em sua página do Youtube nesta segunda feira, 14, o videoclipe de seu primeiro single, “Falling Nations”, contando com uma surpreendente produção realizada pela própria banda, não devendo em nada para grandes nomes do gênero e divulgando sua proposta e sua sonoridade com elementos de heavy, prog e power metal para o mundo.

“Falling Nations” nos apresenta a uma banda moderna, com sua identidade já bem definida, sedenta por conquistar seu espaço e ousada ao lançar uma música de mais de sete minutos como seu primeiro trabalho, nos brindando com um som absurdamente técnico, vigoroso e pesadíssimo, em uma produção de primeira categoria, mostrando que a Capella não está de brincadeira e promete se tornar em pouco tempo uma das principais bandas de seu gênero, carregando a tão maltratada mas ainda poderosíssima bandeira do Brasil pelo mundo.

A introdução melancólica no piano, acompanhada da sequência de imagens do videoclipe de completa desolação, criam um clima lamurioso e distópico, carregado de uma agonia atemorizante. Os coros seguidos das imagens de uma nação em ruínas e de um povo completamente corrompido e de atitudes primitivas, preenchem a atmosfera soturna que a banda cria para nos falar dos tempos nefastos que vivemos. Quando a banda toda entra, vem rasgando o clima sombrio e a urgência do tema abordado é refletida no ritmo frenético da composição.

Os riffs acelerados de André “Zaza” e Pablo Romeu são intrincados, complexos e absolutamente técnicos e causam uma sensação de pânico quase sufocante. A bateria quebrada, com pressão e cheia de tempos e contratempos, viradas precisas e mudanças de andamento de Fernando Castagna, além de um pedal duplo frenético, fazem juz a sua principal referência em Mike Portnoy e colaborando para sensação avassaladoramente opressiva da introdução.

O baixo de Gabriel Carvalho é denso, estrondoso e cavalgado, carregado de técnica e do feeling que o músico demonstra ao executar seu instrumento no vídeo. A produção é cristalina, não deixando nada sobrar ou faltar e tudo está minuciosamente em seu devido lugar, mas sem soar burocrático. Tudo isso constrói e prepara progressivamente o ouvinte para receber a voz poderosa e resoluta de Jota Fortinho, em uma interpretação altiva, acompanhada por backing vocals que dão o suporte necessário para o vocalista explorar toda sua amplitude vocal, indo de momentos mais rasgados e agressivos a belos drives e até alguns agudos, com absoluto domínio de sua voz, cantando em tom de desabafo e desprezo sobre falsos líderes e profetas com suas promessas de dias melhores.

O refrão forte e cadenciado a cada repetição parece ganhar mais emoção e clamor, soando como o grito aflito de uma multidão em protesto de punhos em riste, bradando frases de ordem sobre um iminente e temido fim da linha, carregado de mentiras, solidão, miséria e impotência.

Apesar da urgência e da dramaticidade da canção, toda sua construção musical ocorre sem imediatismos, sem modismos e com uma preocupação artística infinitamente superior à comercial.

Os duetos de guitarra prenunciam os dois solos magistrais, onde a banda toda abre espaço para o protagonismo de André e Pablo, sem se omitir, mantendo linhas precisas e complexas, enquanto os guitarristas dão uma aula de domínio de seus instrumentos sem deixar o virtuosismo sobrepujar o feeling, culminando num encerramento ainda mais fragmentado, arpejado, complexo e de tirar o fôlego.

O videoclipe já está disponível e pode ser conferido logo abaixo. O single em breve também será liberado nos principais serviços de streaming e cabe a nós aguardarmos pelos próximos capítulos dessa história que começa a ser escrita, torcendo para que a banda consiga manter o nível altíssimo desse primeiro lançamento e que a pandemia logo seja uma memória distante, para que possamos ver o resultado disso tudo na estrada.

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